carlosmanoelt 11/09/2024
Autópsia intelectual de um condenado
Nessa obra, acompanhamos a narração dos últimos dias (não só um) ? as últimas seis semanas, para ser exato ? de um homem condenado à morte na guilhotina em Paris, no século XIX. Vivemos junto dele a escalada de sentimentos: a espera por uma graça ou um milagre, que não virão, e sua resignação, que volta a ser desespero. Ele narra as lembranças, os pensamentos sobre a situação da mãe, da esposa e da filha (especialmente desta última) após a sua morte. E a presença da gente que assoma de toda parte para assistir ao momento em que a lâmina separará sua cabeça do seu corpo.
Essa, para mim, é a pior parte: o interesse das pessoas pela desgraça do outro, a insensibilidade diante da tragédia alheia. Toda a discussão também me fez lembrar que o tema pena de morte não se encerrou, mesmo que tenhamos uma legislação avançada em termos de direitos humanos. Vira e mexe esse assunto volta à tona, assim como a maioridade penal, e se torna tópico de debates nas caixas de comentários das redes sociais. Os especialistas em nada logo saem com respostas a problemas complexos. Afinal, é fácil culpar apenas os indivíduos e gritar por punições severas.
Isso me levou a pensar que o livro não se distancia tanto assim da realidade atual, em que a barbárie atrai a atenção e gera engajamento. Eu não me surpreenderia se um evento como aquele juntasse, ainda hoje, centenas de pessoas em praça pública, que defenderiam, furiosas, a execução do condenado. É engraçado que, já em 1832, Victor Hugo entendia a complexidade do problema social que empurra os indivíduos para o crime. Naquela época, como se vê no prefácio do livro, o autor afirmou que a pena de morte não cabia aos homens e que nem mesmo servia de exemplo, ao contrário do que se sustentava, dada a criminalidade crescente.
Já naquele tempo, ele compreendia que a prática só tornava o povo duro e insensível, embora fosse o mais atingido por essa pena. Já naquele tempo, percebia a necessidade de ?tratar? o criminoso e não de o expurgar da sociedade. ?O último dia de um condenado, confessa Victor Hugo, é uma defesa aberta do fim da pena de morte, o seu modo de tentar ?frear o derramamento de sangue?.
Enquanto lia a respeito daquela plateia animada para ver o espetáculo da morte de outro alguém, refletia: o ser humano, em geral, não é somente impiedoso; é também incoerente. Ao comemorar o sofrimento do outro, como vingança pelo erro cometido, não cogita que, no dia seguinte, a sua cabeça pode estar em risco também. É isso, inclusive, o que diz o condenado. E que angustiante deve ser conhecer a data da própria morte, ainda mais uma tão dolorosa, tão humilhante. Senti cada sensação narrada pelo condenado diante de um destino que sabia sem volta, sem mudança de rota.