Paulo Sousa 08/11/2019
a trilha dos ninhos de aranha, de calvino
Título lido: A trilha dos ninhos de aranha
Título original: Il sentiero dei nidi di ragno
Autor: Italo Calvino (Ita)
Tradução: Roberta Barni
Editora: Companhia das Letras
Lançamento: 1947
Esta edição: 2004
Páginas: 192
Classificação: 3/5
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"Há intelectuais ou estudantes, mas poucos, aqui e acolá, com algumas ideias na cabeça, vagas e não raro distorcidas. Têm uma pátria feita de palavras, ou no máximo, de alguns livros. Mas lutando vão perceber que as palavras já não têm nenhum significado, e descobrirão coisas novas na luta dos homens e assim lutarão sem se fazer perguntas, até irem buscar novas palavras, aí vão reencontrar as antigas, mas mudadas, com significados que nem sequer tinham desconfiado" (posição no kindle 2060/72%).
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calvino sabe mesmo prosear: eu tinha lido seu excelente "se um viajante numa noite de inverno" no já distante maio/18 e me prometi ali que poria o autor italiano em um provável projeto (mais uma vez solitário) de ler todos os seus livros. vê-se que ainda não pude realizar a proeza, ainda mais agora, quando tenho me dedicado a uma nova graduação que tem minado meu tempo já bastante esfacelado, mas não esqueci daquela epopeia toda que Leitor, o personagem que engrena o livro, passa para tentar ler um livro misterioso sem a interrupção inquietante de páginas faltosas no volume.
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mas consegui abrir algumas brechas fortuitas e consegui terminar o "a trilha dos ninhos de aranha", seu primeiro livro, publicado em 1947, dois anos após o fim da segunda guerra mundial.
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o livro é protagonizado por pin, um garoto que vive numa pequena aldeia no interior da Itália, pelos olhos de quem vemos o desenrolar dos vestígios deixados pela guerra, personificado por homens e mulheres devastados e miseráveis sob o olhar do garoto, uma mistura de nojo, admiração e revolta ao mundo dos adultos. por isso mesmo, calvino adota uma prosa meio fabular para tratar de atrocidades vividas pelos italianos, que se organizaram em pequenos grupos armados para lutar contra o nazi-fascismo, e tinham de conviver com os tiros, os corpos mutilados e a incerteza quanto ao futuro.
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para tanto, pin busca a atenção dos adultos, ora envolvidos em conspirações. ele se utiliza da chacota, das piadas e até de uma arma furtada de um soldado alemão para obter essa atenção, mas a solidão excruciante acaba levando pin a vagar sem destino, quando percebe que os adultos são maus, hipócritas e imorais. ele nesmo alimenta pensamentos impuros, xinga e é mal educado, mas é notável que calvino não extirpe de pin traços de uma inocência comovente, em meio a tempos tenebrosos.
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falar da guerra é sempre dolorido, sobretudo para quem viveu e testemunhou esses dias sangrentos. calvino conta no livro, na verdade, sua experiência própria na luta armada contra as forças opressoras. logo, não seria diferente que o livro tivesse o quilate que tem, prenunciando o grande escritor que haveria de tornar-se. vale!