Vitória 27/08/2023
Depois de tanto tempo procurando a fantasia épica medieval 5 estrelas, eu finalmente encontrei. Na época em que esse livro foi publicado pela Leya, que era justamente o ano onde eu mais li livros nesse estilo, eu simplesmente passei ilesa pela Robin Hobb, e não lembro sequer o motivo disso. De qualquer forma, várias das obras lidas por mim nesse período estão na minha lista de futuras releituras, porque tenho absoluta certeza de que a Vitória de 12 anos não tinha cabeça suficiente pra absorver tudo o que aqueles livros queriam me passar. No caso da Robin Hobb, e dessa trilogia em específico, eu acho que a leitura ocorreu no momento certo, mesmo que eu tenha certeza de que ainda irei reler essa série algum dia. Se no primeiro volume a autora já me conquistou dessa forma, eu tenho certeza de que nos próximos as coisas só vão melhorar.
Por ser um livro 5 estrelas, eu não tenho nada do que reclamar da obra, mas preciso abrir esse comentário com algumas críticas à edição da editora suma. Em uma nota no início do livro os editores falam que nessa tradução, ao contrário do que acontecia na da Leya, eles optaram por não traduzir o nome dos personagens. Antes de começar o livro, aquilo me pareceu algo sem importância, mas depois que é explicado que os nascidos da nobreza recebem seus nomes de acordo com as virtudes que eles irão desenvolver ao longo da vida, eu mudei a minha percepção. Porque aqui o nome não é apenas a forma como o personagem é chamado, ele diz muito sobre quem aquela pessoa é e o papel que ela tem na história. Eu não fui alfabetizada em inglês como a Sasha e, por causa disso, ainda que eu entendesse algumas palavras, várias coisas passaram direto por mim, e tenho certeza que a minha experiência de leitura teria sido diferente se eu pudesse notar esses pequenos detalhes. Existe um glossário no final do livro mas, assim como eu sou contra as notas de rodapé quase toda vez que elas aparecem, também serei aqui contra esse glossário. Esse livro é muito imersivo, a história e a escrita da autora são muito envolventes, e eu sequer pensava em parar a leitura e ir até o final da edição procurar o nome de alguém a cada vez que um personagem novo era introduzido. Além disso, tenho certeza que esse ir e voltar tornaria a minha leitura mais difícil. Outra coisa que me incomodou foi a diagramação e o tamanho da letra. Já exaltei a escrita da autora aqui, e continuarei exaltando, mas a letra dessa edição é tão pequena, e são tantas linhas de texto numa página, que eu tinha a impressão a todo o momento de que eu não estava andando com a leitura. Eu passava uma hora pra ler simples 35 páginas, e ver que, apesar do tempo investido, eu não conseguia chegar nem perto de terminar o livro, me travava. Acho que no e-book as coisas talvez tivessem se dado de uma forma melhor mas, como eu só consigo reter informações importantes de livros cheios de informações no físico, tive que continuar nesse suplício até o final. Passar 5 dias lendo um livro de 300 e poucas páginas, quando eu sei do meu ritmo de leitura, foi agonizante.
Mas vamos à parte boa. Eu não sabia nada sobre essa história antes de começar a lê-la, e amei o fato de tudo ter sido uma surpresa pra mim. Eu já sou fã de livros que acompanham um mesmo protagonista desde a infância, e esse aspecto fez esse livro me ganhar. O Fitz é carismático desde a primeira página, é impossível não sentir pena desse menino, se colocar no lugar dele, ter medo do seu futuro incerto e ficar desesperado ao tentar se encaixar em cada novo lugar e cada nova aula onde ele era jogado. Uma coisa que eu só fui perceber depois de concluir a leitura, e que foi uma sacada genial da autora, mas que acabou se perdendo devido às escolhas de tradução, é que o menino passa grande parte do livro sem receber um nome. Devido a isso, nós não sabemos ao certo o que esperar da sua personalidade, e me parece que nem ele próprio sabe. O Fitz é o bastardo do príncipe, a figura indesejada do castelo, que é jogada de um lado para o outro de acordo com as vontades do rei e de seus filhos, e a cada novo joguete, a cada nova adaptação, ele vai descobrindo um pouco de si próprio. Eu terminei a leitura com a real sensação de que eu conheço esse garoto desde o seu nascimento, e estou tão apegada a ele que não vejo a hora de ver que adulto ele irá se tornar.
A fantasia, pelo menos nesse primeiro volume, é simples, mas nem por isso deixa de ser incrível. Depois de descobrir que esse livro foi publicado originalmente há quase 30 anos, eu parei de achar que ele era um grande clichê de fantasias medievais, uma vez que utiliza de elementos e de plots que eu já li trocentas vezes no gênero, e passei a pensar em como talvez ele tenha sido uma referência para autores que já são queridinhos meus. As magias não são completamente compreendidas aqui, mas acho que a autora faz isso porque o próprio Fitz, que é quem narra tudo para o leitor, ainda não as compreendeu. Os trechos sobre a Manha foram os que mais me renderam lágrimas. Como mãe de pet, foi lindo pra mim ver o Fitz estabelecendo uma relação de companheirismo e de amor com o narigudo e depois com o ferreirinho, especialmente quando eu pensava na solidão que ele era obrigado a aguentar todos os dias no castelo. A autora torna isso tão real que eu consegui sentir a perda de cada um deles, e tudo isso também serve para tornar a grande ameaça do livro, que são os forjados, mais amedrontadora. Confesso que ainda não sei direito o que são esses zumbis, nem o que aconteceu com eles para que ficassem assim (afinal ninguém do livro sabe ainda), eu só sei que eles me botaram um medo danado. O Talento me parece ser mais complexo, talvez porque ele teve um pouco mais de destaque devido ao Verity, e tenho a impressão de que a trama da trilogia como um todo girará em torno desse poder.
Os personagens secundários são um espetáculo à parte, e eu nem tenho como falar de todos porque eles são muitos. De toda forma, eu gosto de como cada um deles é único e diferente entre si, e como essas diferenças ajudam a moldar a personalidade do Fitz, porque a grande verdade é que uma criança em fase de crescimento aprende muito com aqueles que estão com ela no dia-a-dia e acaba trazendo traços delas pra dentro de si. O Burrich talvez tenha sido o meu grande favorito. Eu amo a relação meio de pai e meio de tutor que ele estabelece com o Fitz, como os dois passam por momentos bons e ruins durante a narrativa e como isso afeta a ligação dos dois. O momento de quebra dessa relação, depois de certo acontecimento aqui, pareceu doer em mim da mesma forma que doeu no Fitz. O sentimento era de como se eu estivesse perdendo uma pessoa essencial pra mim. Chade foi o meu segundo amor. Amo as aulas e lições nada convencionais que ele tem com o Fitz, e como ele é uma criatura invisível (e às vezes uma velha rabugenta) do castelo para que possa exercer a função de assassino. Em relação à trama, acho que ela acompanha bem o crescimento do Fitz. Logo no início ela é mais monótona, mas porque a vida de uma criança também é. Como a criança em questão é o nosso narrador, os nossos olhos e ouvidos nesse mundo, a gente acaba investindo muito tempo em coisas que são importantes na visão dele. Com o passar dos capítulos, ela se torna mais intrincada e no final, que é quando ele finalmente exerce a função para a qual estava sendo treinado, é onde tudo explode. Parece até estranho pensar no tanto de coisa que acontece nas últimas 50 páginas, e no tanto que não acontece nas primeiras 100, mas achei inteligente da autora ter escolhido essa forma de conduzir a narrativa. As migalhas de romance, que são literalmente migalhas, foram uma delícia, e eu exijo que a Robin Hobb retorne a elas no futuro. Falei muita coisa e sequer consegui comentar metade das coisas maravilhosas desse livro. Não vejo a hora de pegar o próximo, minha memória de centavos não vai reter as informações importantes desse negócio por muito tempo.