Queria Estar Lendo 25/08/2022
Resenha: O Aprendiz de Assassino
Primeiro volume da saga da Robin Hobb, O Aprendiz de Assassino foi uma releitura. Eu conheci a história anos atrás, quando saiu por aqui pela LeYa, e agora revivi ela na nova edição da Editora Suma - que cedeu este exemplar em cortesia. E foi uma ótima aventura!
A história acompanha Fitz. Ele é filho bastardo de um dos príncipes dos Seis Ducados, e é levado pelo avô para a corte de maneira a se livrar do garoto. O avô o deixa sob responsabilidade do príncipe Chivarly. Distante dali, Fitz acaba sendo delegado a um cavaleiro fiel ao príncipe, mas impedido de servi-lo por um ferimento grave.
A partir daí, acompanhamos o crescimento e amadurecimento de um garotinho em um rapaz astuto, de personalidade forte e leal, que vai acabar entrando em treinamento para se tornar um assassino a mando do seu avô, o rei.
O Aprendiz de Assassino é uma história completa, recheada em política. Tem alguns momentos em que a lentidão parece além do aceitável, mas a autora compensa com diálogos ligeiros e reviravoltas interessantes.
Eu preciso começar essa resenha, no entanto, criticando um pouco uma escolha dessa nova edição. No mundo dessa história, todos os personagens têm nomes relacionados a alguma condição ou detalhe de suas personalidades e vidas. Na edição anterior, esses nomes foram traduzidos, porque as palavras significam muito para entendermos quem é quem no decorrer da trama - ou mesmo pela ironia.
Por exemplo, o príncipe que é pai do Fitz se chamava Cavalaria. O cavaleiro que passou a treiná-lo, Bronco. E por aí vai. Palavras com significado, portanto, nomes traduzíveis. A edição da Suma não fez isso. Então, no decorrer do livro, encontramos personagens como Chivarly, Burrich, Regal, Verity. O que eu achei bem ruim.
Até porque outros personagens têm os nomes traduzidos! Sangra-Nariz, por exemplo, é uma garota que o Fitz conhece e se torna sua amiga; os nomes dos reinos foram traduzidos, de estradas, de navios, dos animais. Por que o mais importante do livro, que é mostrar como os personagens são vistos e tratados pelos outros, ficou em inglês?
O fato de ter um glossário com o significado dessas palavras no fim do livro mostra que, sim, o significado delas importa. Então a acessibilidade que uma tradução completa traria não está ali; eu sou fluente em inglês e achei muito ruim a maneira como os textos não combinavam entre si. Essa é a uma escolha editorial que, na minha opinião, foi falha.
Seguindo em frente, quanto à história, O Aprendiz de Assassino entrega um excelente primeiro capítulo para essa alta fantasia. Os Seis Ducados é um reino medieval com todos os intrincados detalhes de um universo inspirado nessa época. Mas a autora não se relega a clichês que se espera de fantasias do tipo; há personagens femininas em papeis que não caem em estereótipos, personagens masculinos mostram suas fragilidades e emoções.
É um mundo bastante consistente e realista, mas tem seu pé na fantasia, no fim das contas. O Talento é como se chamam as habilidades extranaturais que personagens da linhagem real possuem. Fitz, aliás, tem uma habilidade extra. Uma que não é bem vista pela nobreza, e que ele mantém em segredo dos olhos dos outros. Mas que pode vir a ser útil em sua jornada como assassino do rei.
"- Seja o seu sangue, garoto, e ignore o que os outros pensam sobre você."
O Aprendiz de Assassino não é um livro cheio de ação e de emoções à flor da pele. Robin Hobb leva seu tempo para descrever as ambientações, os detalhes dos lugares, dos personagens. Mostra o tempo correndo como corre, sem saltos temporais e nem adiantando acontecimentos. A narrativa dela é bastante semelhante à do George R.R. Martin em questão de ritmo e descrição; essa parte, eu confesso, me pegou um pouquinho.
Do meio para o final, o ritmo dá uma acelerada. As últimas 100 páginas, principalmente, acrescentam uma crescente de tensão que dá vontade de devorar os capítulos. O final tem uma reviravolta muito instigante, e te deixa com as emoções à flor da pele até que ela se resolva.
Gostei muito, mas o ritmo do começo deu uma complicada. Chegou um momento em que eu via um parágrafo grande e acabava pulando porque sabia que não ia ter nada ali além da descrição de um salão nobre. O lado bom é que os diálogos compensavam tudo; sempre que os personagens começam a conversar, debates intensos e interessantes se seguem.
Até porque estamos acompanhando a história de um garoto. O Fitz é ingênuo e inocente nesse primeiro momento, e está aprendendo a entender a corte, as maracutaias, em quem confiar, em quem fingir que confia. Ele se torna uma protagonista querido justamente por causa dessa inocência. E porque você quer que ele triunfe. Porque a história te mostra o coração nobre e justo desse menino, e você sabe que esse mundo é cruel e terrível com quem não se adapta a ele.
Aos poucos, ele também se dobra a umas questões morais. Não deixa de ser leal, mas percebe que, para manter sua lealdade, talvez tenha que fazer escolhas ruins. Até porque, O Aprendiz de Assassino é narrado em primeira pessoa, pela perspectiva do Fitz, com aberturas de capítulos falando sobre o mundo e personagens; então é natural observar, na narração dele, esse crescimento e amadurecimento.
Há inúmeros personagens coadjuvantes para pavimentar a história junto com o Fitz. Meus favoritos foram Burrich e Chade. O cavaleiro e o mestre assassino, respectivamente. Com Burrich, a relação do Fitz é uma coisa mais brusca e emotiva. Os dois acabam se odiando e se amando na mesma medida; uma espécie de relação forçada de guardião e protegido. Com Chade, é um desafio. O velho e enigmático mestre aparece para treinar Fitz em diferentes artes, mas para prepará-lo para se tornar um assassino.
"- Garoto, nunca finja que somos outra coisa além do que somos. Assassinos, e não agentes misericordiosos de um rei sábio. Assassinos políticos traficando morte para proveito da nossa monarquia. É o que somos."
Os príncipes permanecem como incógnitas no começo da história, e ganham muita importância a partir do começo em que Fitz se torna o aprendiz de assassino. Regal é complicado, Verity é honrado, Chivarly é um enigma. São bons arquétipos para a realeza, especialmente da maneira com que a Robin Hobb tece suas histórias junto à do reino.
Tem uma ameaça estrangeira crescente nos portos dos Seis Ducados. Quanto mais ela traz caos para as cidades e o povo, mais a guerra parece inevitável. Como se preparar, que alianças fazer, como evitar os maiores estragos são coisas que permeiam a história.
Com exceção daquela escolha de tradução, a edição da Suma é muito boa. Fonte um pouco pequena demais pros meus olhos míopes, mas compreensível pelo tamanho das descrições e dos capítulos. As páginas são de muita qualidade, e eu amo a capa que usaram para a história.
O Aprendiz de Assassino é uma fantasia no molde dos clássicos. Uma história sobre um garoto conhecendo o mundo e se adaptando e se tornando uma parte essencial dele. O primeiro capítulo de um épico de política e magia.
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