A morte do pai

A morte do pai Karl Ove Knausgaard
Karl Ove Knausgård




Resenhas - A Morte do Pai


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Ana Sá 20/06/2022

Fui guerreira demais pra chegar até aqui…
Geralmente, eu procuro fundamentar bem as notas baixas que dou a um livro. Isso porque eu gosto muito de vocês aqui do Skoob, então daí vem essa minha consideração na hora de resenhar (assim temos sempre boas trocas!). Entretanto, ao terminar de ler “A morte do pai”, eu tive que admitir que gosto muito mais de mim mesma e que eu merecia me livrar deste romance o quanto antes, razão pela qual eu não vou voltar à obra para fundamentar a minha insatisfação. A partir daqui, temos mais um desabafo de uma leitora guerreira do que uma resenha propriamente dita…

Basicamente, o autor decidiu publicar sua autobiografia romanceada/ficcionalizada numa série de seis livros. Simples assim: ele, Karl Ove Knausgård, é um escritor norueguês de 53 anos (quando começou a escrever a série ele deveria estar na casa dos 40 anos talvez) que sentou a bunda na cadeira e escreveu DETALHADAMENTE sua vida ainda em curso - e “A morte do pai” é seu livro de abertura, focado na fase da juventude. Muitos leitores e críticos têm considerado a série "genial", e foi assim que cheguei a essa desgastante leitura (a série se intitula “A minha luta”, uma assumida alusão ao livro homônimo de Hitler, outro ponto que não percebi!).

Pois bem. Pode a autobiografia de um homem comum, europeu e hétero, do século XXI ser interessante? Eu diria que sim! Os brevíssimos momentos em que o narrador trata da formação da sua masculinidade e sexualidade são um ponto alto. Quando ele ameaça refletir sobre sua paternidade também. O tema da “morte do pai”, quando FINALMENTE chega, é instigante. Mas aí vem o problema… Na prática, a obra vai por um caminho que me deixou várias vezes com cara de “ué?”.

Abraçando a licença poética inerente ao desabafo de uma leitora guerreira, eu dividiria o livro assim: 30% foca na questão de fazer amizades (ou não) na infância/adolescência, de uma forma bem boba e superficial; 40% foca num quase sexo, drogas e rock roll bem sem graça e circular; 30% foca na limpeza da casa da avó do protagonista (e olha que, apesar de tudo, esta parte foi a que mais gostei, mas não vou explicar pra não dar spoiler!). E tudo isso MUITO detalhado! Se o protagonista vai escutar uma música, a gente é obrigada a acompanhar desde a escolha da música, o subir de escadas para o quarto, o apertar do botão do toca fitas, parte da letra das músicas… Se o protagonista vai limpar a casa, nos vemos pensando e escolhendo o produto de limpeza com ele, sentindo o cheiro dos produtos etc etc… E daí? Pra quê? “Socorro" foi minha nota mental mais frequente enquanto seguia com a leitura…

É verdade que autor merece ser reconhecido por conseguir trabalhar sua escrita de forma tão detalhista e parcimoniosa, numa altura em que as sociedades correm numa velocidade descabida. O livro, de certa forma, vai contra a lógica do tal “tempo líquido”. Então, sim, eu (quem sou eu, mas…) reconheço algum mérito no estilo adotado por Karl Ove. Mas mais ainda merecem ser reconhecidas as bravas leitoras que têm paciência para ler tanta descrição. Não quero julgar o livro por aquilo que eu gostaria que ele tivesse sido, mas a falta de reflexões ou posicionamentos mais subjetivos e/ou filosóficos do narrador-protagonista tornaram a leitura insuportável para mim! Caiu numa descrição pela descrição, o que me impediu de ver beleza na proposta audaciosa de romancear a biografia de um homem comum do nosso século. Não é qualquer um que consegue descrever a vida da forma como o faz esse autor, mas isso não bastou para que eu me conectasse com o valor literário da obra. Poucas pessoas conseguem fazer o que ele faz, mas, para mim, isso não significa que o que ele faz é "genial", pode apenas ser único mesmo. De forma única, ele tirou minha paciência como poucos nos últimos tempos! Não sou ingênua a ponto de encarar a literatura como sinônimo de prazer, mas tampouco espero que ela signifique tortura... Olha, que dureza foi essa leitura!

Pode ser que a leitura da série toda dê novas chaves de interpretação e valoração, mas eu não vou pagar pra ver. E, claro, deve acontecer com vocês também, de não gostarem de um livro da moda e pensarem: “será que eu não sou culta suficiente para perceber a graça disso aqui?”. Pode ser também, mas o fato é que eu nunca tive a pretensão de ser culta, então se o problema for este, eu deixo a leitura para os universitários. E, por fim, vocês se lembram que isso aqui é mais um desabafo do que uma resenha? Pois bem, talvez a gente possa apagar todas as linhas acima e deixar apenas a frase que segue: “gosto é gosto, né?”.
Ana Sá 20/06/2022minha estante
Obs.: é ÓBVIO que uma "autobiografia" é sempre um escrito sobre uma vida "ainda em curso", mas Freud explica o que eu quis dizer: no fundo, ficou na minha cabeça que talvez ele seja um "homem comum" jovem demais para escrever algo tão audacioso... Sei lá, acho que tenho uma esperança de que a velhice traria mais sabedoria na hora de serem feitas algumas escolhas! rs


Suzanie 20/06/2022minha estante
Adorei sua resenha Ana! Ainda quero ler esse livro e sua opinião é um otimo contraponto. Compreendo muito sua insatisfação com um livro tão cultuado, isso ocorreu comigo com a obra 1984 rsrs. Não consigo entender o que se encontra de tão formidável nela.


dani 20/06/2022minha estante
Me diverti muito acompanhando seus comentários ao longo da leitura e ainda mais com sua resenha! Se serve de consolo, saiba que seu sofrimento fez alguém morrer de rir ?


Ana Sá 23/06/2022minha estante
Suzani, vai ser muito bom ver sua impressão, sobretudo se for divergente da minha! Muita gente gosta mesmo do livro e não tem ressalvas ao ritmo... Vou ficar de olho quando você estiver lendo!


Ana Sá 23/06/2022minha estante
Dani, ninguém solta a mão de ninguém aqui! ? Que bom que eu trouxe alegria pro Skoob! hahaha


Paulo Sousa 23/06/2022minha estante
Teve um dia que intentei ler toda a série. Terminei a muito custo o livro 1 (que gostei da parte final). Nunca mais pego nada do Knaugaard pra ler?.


Ana Sá 23/06/2022minha estante
Paulo, eu evitei spoiler, mas é a parte final que me segurou um pouco tb (da casa da avó pra frente)... O resto nem cogitei, como mostra a resenha... rs


talysmc 02/07/2022minha estante
Você descreveu meu total sentimento com este livro e digo, ele não é um Proust, longe disso... acabei ler aqui e caí na sua resenha só me fez pensar que não devo forçar gostar de algo que tinha altas expectativas e me decepcionei haha


Ana Sá 04/07/2022minha estante
Talys, eu sempre me sinto muito exposta quando "falo mal" de uma leitura, então é bom saber que fez sentido pra mais alguém!! rs


A Leitora Compulsiva 12/02/2023minha estante
Cliquei no livro e coloquei na minha lista de leitura para ler apenas por curiosidade. Devo dizer que me diverti horrores quando li a resenha e continuo querendo ler, porque o importante é conhecer novos universos (para mim) mesmo que seja maçante à beça.

Mas assim, pelo bom humor e coragem de dissecar um livro "ruim", ganhou uma seguidora KKKKKKK.

NOTA: Jamais se force a gostar de um livro por tendências. Às vezes as pessoas gosta por motivos pessoais ou por coisas com as quais se identificam na leitura ? ou apenas por modismo mesmo. Sempre digo que, se uma leitura te for mais entediante que edificante, largue-a e parta para outro universo.

Porque a vida é sobre isso e já dizia meu querido Arlindo Cruz: o show tem que continuar! ?????


Fabio Di Pietro 10/08/2023minha estante
Tive a mesma sensação que a sua. Muito frisson, mas dai-me paciência para terminar! Muito descritivo, mas achei de uma forma sem propósito (que deve ter um, mas não me conectei a ele). Enfim, interessante, me identifiquei em algumas partes, mas não darei continuidade e não indicarei


Ana Sá 15/04/2024minha estante
Fábio, vi só agora seu comentário e me veio de novo aquele sentimento de "bom que não foi só comigo!" haha




Kalci 20/04/2020

Quem e' a persona?
Karl Ove e' um escritor que foge um tanto dos padrões de literatura atuais, onde a maioria do que se e' publicado são obras mastigadas e sem muito aprocho com o pensar ou com uma analise mais minusciosa. A morte do pai traz uma investigação que não existe, e' o leitor que, se tiver interesse, pode vir a se tornar o investigador dessa trama toda.
Knausgard se debruça no "crime perfeito" ao vender seu romance como sua biografia, apesar de ter uma ficção por trás, uma biografia ficcional. A trama tem seu mote principal, como qualquer livro, entretando existe uma sub-trama que e' mutualistica e percorre o livro todo junto com a trama inicial. O mistério, que e' uma trama bonus e um a mais e que faz toda a diferença ao ler e' tentar descobrir quem e' o Karl Ove Knausgard que passeia pelo livro e se ele e' o mesmo autor que diz vender suas memórias. Um Proust moderno e que vive fora do dito "berço cultural".
Dizer que o livro e' ruim e' de uma tremenda falta de tato, não se pode culpar quem não viu isso, pois fica subentendido e só pode vir a tona depois de ver alguma entrevista da pessoa autor. A faísca nasce aí, o/a leitor/ra detetive pode nascer nesse momento.
Assim como falar que não acontece nada no livro, há um certo fundo de verdade (para não causar atrito com quem diz isso) e assim como a vida, não acontece nada demais quando você e' quem vive aquilo, mas pode ser uma série de eventos mais que incriveis para os que não viveram. Pra quem leu vai saber quantos eventos que acontece na vida do personagem que aconteceu ou não com a sua e quantas delas pode trazer uma vontade e um arrependimento de terem sido feitas ou não. Essa e' uma das questoes principais que a obra traz.
Ao meu ver a experiencia se torna outra quando você conhece o autor-pessoa-real em entrevistas. Ali você começa a pinçar o que e' "real" ou "não" no livro e aí que mora a graça e a beleza de Minha luta, ir atrás do além, do algo a mais, assim como tudo na vida normal, continua e real que ela e'. Sem floreios e sempre buscando uma outra fonte ou até mesmo "Um outro amor".
Baita obra e formação de "investigadores de personas", para aqueles que foram tocados pela necessidade disso para enriquecer ainda mais o caldo.
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Rayssa 11/02/2021

Sobre a morte.
Primeiro livro que inicia a série autobiográfica Minha Luta, fenômeno literário norueguês. Nessa obra temos contato com a juventude do narrador, entre paixões, rejeições, sentimentos diversos, entre eles a profunda solidão, somos colocados dentro de uma análise minuciosa dos relacionamentos de um núcleo familiar curioso, além de acompanharmos a busca pela identidade do próprio autor/personagem.

Esse primeiro volume aborda aspectos significativos e reflexivos sobre a morte. Como lidamos com ela, a forma que damos para o fim, e o que significa a morte de um ente querido, afinal? O impacto da inexistência repentina de uma pessoa tão próxima pode acontecer de formas diversas. A morte permeia a nossa vida, nos guia, e, de certa forma, dá um significado para o ato de viver. 

O livro é dividido em duas partes. A primeira trata de algumas passagens da vida jovem do autor. A segunda, aborda o acontecimento que dá nome ao título, isto é, a morte do pai. Essa parte foi a mais chocante para mim. A narrativa é tão crua que pode ser nauseante. Ver de perto as tristes condições em que o pai, acompanhado da avó do autor, viviam no final da vida são de cortar o coração. Mas é essa sinceridade toda que nos aproxima desse autor personagem. E a medida que os acontecimentos são narrados, tudo fica cada vez mais e mais cruel e real.

Ademais, no livro, os atos do cotidiano são narrados de forma sensível e muito fáceis de se identificar. É impressionante como o autor consegue transformar acontecimentos mundanos em ações cheias de significados. Várias vezes fiquei me perguntando para que gastar meu precioso tempo lendo um livro sobre a vida de um cara cuja existência me é desconhecida? Eu adoro histórias simples, que tratam simplesmente sobre...a vida em si. Adoro poder ver os pensamentos humanos sob outros pontos de vista distintos do meu.  Acho que poder ler sobre a vida de outra pessoa traz uma quebra na sensação de isolamento que estamos vivendo agora. Poder ver que não estamos sozinhos em tantos sentimentos e pensamentos.

Nesse sentido, acho que o grande segredo que faz essa leitura ser tão imersiva e envolvente e valer a pena é o fato de Karl Ove mostrar com simplicidade e honestidade, sem deixar para trás inúmeros detalhes, o despertar do sentimento da empatia. Além disso, ele mostra como algumas coisas podem ser completamente insignificantes para algumas pessoas e extremamente relevantes para outras e tá tudo bem. As experiências da vida individual constroem as percepções de cada um sobre o mundo. As coisas têm o sentido e a relevância que a gente dá. Afinal, o que te leva a escolher um caminho e não outro? Uma faculdade, uma casa, um emprego, um relacionamento? Todas essas questões só podem ser respondidas pelo próprio indivíduo dentro de seu mundo interior.

A riqueza de detalhes e percepções tão genéricas me prenderam a narrativa e me fizeram querer continuar os demais livros. Assim como eu me apaixonei pela série Napolitana, de Elena Ferrante, a chance de eu amar essa nova série é muito grande. Porém, o curioso é que a diferença de escrita e perspectiva feminina X masculina entre os dois autores é gritante. E talvez esse seja mais um motivo que me desperta curiosidade pra seguir essa série.

site: https://www.instagram.com/abibliotecaoculta/
Craotchky 11/02/2021minha estante
"Eu adoro histórias simples, que tratam simplesmente sobre...a vida em si. Adoro poder ver os pensamentos humanos sob outros pontos de vista distintos do meu."
Adorei e me identifiquei com esse trecho da sua resenha. Também adoro esse aspecto nos livros. Esta obra já estava no meu radar e agora ela pisca mais forte nele.




Felipe Oliveira 14/02/2022

Leitura agradável que aguça a imaginação do leitor!
?Para o coração a vida é simples: ele bate enquanto puder. E então para.? O livro já começa com essa reflexão e nos trás alguns questionamentos interessante sobre a finitude da vida, mas de forma superficial, pois depois começa a ser contada a história do autor com alguns cortes entre vários momentos da vida do autor. O que nos deixa curioso e atento para saber sobre alguns personagens e momentos. O final deixou muito a desejar pq mesmo sabendo q esse é o volume 1, gostaria de saber a resolução de vários pontos que nem foram mais citados no livro aí fica parecendo que os demais são continuação da continuação e não um livro específico com o seu contexto exclusivo de cada volume. Mas continuarei a leitura dessa saga.
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Frankcimarks 05/12/2020

Nossa vida banal
Por que me identifico tanto com os livros deste autor? Não somente por sua escrita fácil do cotidiano, mas por ele falar de coisas comuns, que acontecem com todos nós, seres humanos opacos.

Sempre que estou preso numa ressaca literária, corro para o Karl Ove, e até agora ele tem me ajudado a voltar ao meu ritmo normal de leitura.

Gosto principalmente quando ele expõe suas intimidades, fico chocado com sua franqueza e falta de pudor. Admiro o jeito simples de sua escrita, não dá vontade de parar a leitura. Quando você percebe, já leu quase cem páginas.Fazer isso falando de banalidades é genial.

Quote:

Meu pai era um idiota, eu não queria nada com ele, e não me custava nada ficar distante. A questão não era ficar distante dele, a questão era que ele não existia, nada que dizia respeito a ele me afetava. Era assim que tinha sido, mas então me pus a escrever e as lágrimas jorraram.
Hildo Frota 05/12/2020minha estante
????????????


Frankcimarks 06/12/2020minha estante
?




djoni moraes 29/01/2021

Quão fundo o ser humano pode chegar no poço alegórico da vida?
Karl Ove Knausgård é talvez o autor norueguês mais conhecido da cena literária mundial dos últimos anos, e se posiciona em quase todas as conversas sobre autoficção e estilos narrativos célebres (informação nada consensual). Sua obra mais conhecida é, indubitavelmente, os seis volumes da série Min Kamp que compõem a narrativa de sua vida, marcada no seu início por este livro: A Morte do Pai.

Uma das características mais marcantes do estilo narrativo de Knausgård é a capacidade de ir e voltar no tempo de sua narrativa, nos localizando em uma atmosfera que mostra uma mesma pessoa (no caso, ele mesmo), mas em momentos tão diversos de sua formação que fazem com que pareçam personagens totalmente diferentes: o Karl Ove criança; o Karl Ove adolescente/jovem; o Karl Ove pai; o Karl Ove neto; o Karl Ove escritor. De qualquer forma, a faceta mais marcante, pelo menos neste volume da série, é a do Karl Ove filho. A relação dele com seu pai, um homem de humor bastante instável, fechado e com quem teve um relacionamento baseado na desconfiança e no medo, é tão imbricada quanto fascinante. Em alguns momentos Knausgård nos faz sentir um pouco "xeretas" demais, como se estivéssemos vendo algo que não devíamos ver. Pausa para a catarse número um: não é assim grande parte dos relacionamentos entre pais e filhos é? O constante desconcerto com a presença do outro?

Não é um livro com muita ação. Aliás, se você quer uma biografia movimentada e cheia de ação e superação, não é aqui. Aqui vemos um homem de meia idade rememorando partes de sua vida e de sua relação com seu pai, através da visão do cotidiano. Acho que nesta característica repousa uma das coisas mais fascinantes do estilo narrativo de Knausgård: a forma de narrar o cotidiano. Pois é no cotidiano, no pentear do cabelo do outro, no sorriso taciturno que esconde alguma coisa, no "você quer que eu faça um chá", no olho roxo de uma mãe, na angústia do primeiro beijo, na visão da primavera ao se apaixonar: é só através do olhar banal que podemos conhecer o mais íntimo de uma pessoa.

A história do pai de Knausgård é bastante emocionante e bastante triste. Inclusive, vale dizer que o livro pode ter vários gatilhos, principalmente para quem sofreu em lares disfuncionais por pais alcoólatras. Não entro em detalhes sobre isso porque, né, acho que se você leu até aqui, você se interessa em saber porque a história da vida de uma pessoa deve iniciar com quatrocentas páginas que versam sobre a morte de um pai.

E não só a morte do pai, em si, mas sobre a morte no geral. E é nesse ponto que o autor guarda a sua joia mais preciosa: nas reflexões sobre a morte. Em alguns momentos, alguns pensamentos ecoaram na minha cabeça desde o momento em que fechava o livro e pegava-o novamente no colo para continuar a leitura. Com certeza esta foi uma leitura que criou uma curiosidade genuína (quase infantil, porém não necessariamente imatura) sobre a morte - e não no sentido voyeurista/sádico, mas num sentido quase sagrado e, ao mesmo tempo, cotidiano. Por que temos tanto medo da morte? Não necessariamente de morrer, em si, mas da própria morte. Por que queremos nos desfazer do corpo o mais rapidamente possível, tirá-lo de nossa frente, a diferença de outras culturas não-ocidentais que optam por conviver mais tempo com o cadáver por perto?

Vivendo no mundo atual (e escrevo estas linhas no meio de uma das maiores epidemias virais, com o número de mortos acima dos dois milhões de pessoas), com certeza falar sobre morte e mortos é um assunto bastante delicado e incômodo. No entanto, a maior reflexão que fica deste livro permeado de dor, luto, dúvida, raiva e morte, é sobre vida.

[...] Agora eu via somente a ausência de vida. E já não havia diferença entre aquilo que um dia fora meu pai e a mesa onde ele jazia, ou o chão onde estava a mesa, ou a tomada na parede embaixo da janela, ou o fio que ia até a luminária ao lado dele. Pois os seres humanos são apenas formas em meio a outras formas, as quais o mundo não cessa de reproduzir, não só naquilo que tem vida, mas também naquilo que não tem, desenhado na areia, na pedra e na água. E a morte, que eu sempre considerara a maior dimensão da vida, escura, imperiosa, não era mais que um cano que vaza, um galho que se quebra ao vento, um casaco que escorrega do cabide e cai no chão" [...]
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Cláudio Dantas 21/04/2020

Hipnotizante
Esse livro sempre me atraiu, se não pela capa, então pelo título ou pela sinopse. Mas uma coisa me preocupou, assim que pesquisei mais sobre ele: ser o primeiro volume de uma série de 6 livros sobre a vida de um cara que eu nunca tinha ouvido falar. Mas dane-se. Além do mais, se a vida desse cara teve material para 6 livros gordos, então deve ter sido uma vida bem interessante, né? Bom, não foi exatamente isso que eu descobri. E o que eu descobri foi muito melhor.

É uma vida interessante, mas ao mesmo tempo muito ordinária, e é aí que está, para mim, a grande proeza desse autor.

Não são 400 páginas de grandes acontecimentos, muito pelo contrário. O deleite dessa história está na banalidade da maioria dos acontecimentos narrados. São detalhes e mais detalhes, com cenas longas, de pessoas vivendo seus dias, corriqueiramente.

Mas a grande pergunta que me ficou foi: como ele conseguiu me prender tanto, a ponto de eu não querer largar esse negócio? Foi hipnotizante. Fiquei surpreso como eu consegui me envolver tanto com todos os acontecimentos. Talvez conhecer o banal das pessoas tenha me ajudado a ter essa conexão. Claro que isso não seria possível se não tivesse sido muito bem conduzida por uma escrita tão fluida.

O único paralelo que me vem à cabeça, a alguma outra obra parecida que eu já tenha lido, é Misto Quente de Bukowski. Não pelo estilo de escrita. Karl Ove é muito mais descritivo, e mais romântico, enquanto Bukowski é mais seco e direto. Mas sim pelo sentimento de honestidade presente no texto, e o constrangimento de algumas cenas bem reais. Enquanto Bukowski prefere te mostrar as cenas, sem grandes explicações, Karl Ove oscila entre o show, don’t tell e momentos de exposição, mas que são bem-vindos na narrativa dele.

Acabei a leitura com muita sede para ler os próximos, olhando com entusiasmo e alívio os calhamaços que me aguardam.
San 28/04/2020minha estante
Quando trabalha na livraria, me chamava bastante atenção. O design da capa é belíssima, foi o que mais me chamou a atenção, posteriormente o título e depois a sinopse.


Fabi 31/07/2020minha estante
Ele me conquistou na primeira página com uma abordagem incrível sobre a morte.




ElisaCazorla 30/03/2015

Diário pessoal de alguém que não interessa
Passar horas lendo esse livro e tentando descobrir por que esse homem escreveu um diário pessoal e decidiu imprimir e chamar de um romance.
O livro se resume em páginas e páginas de descrições enfadonhas marcadas por listas de objetos. Sim! Listas! Ele não se cansa de listar todos os objetos que estão ao alcance de sua vista e a dúvida permanece: por que isso??
Este livro está na lista dos mais chatos que já li. Com exceção de alguns parágrafos interessantes, nada nele acrescenta algo ou te estimula a pensar ou emociona. Nada justifica sua existência enquanto um romance. As únicas pessoas que leriam interessadas são os familiares do próprio autor. É um diário pessoal.
Com toda a certeza não lerei qualquer um dos outros 5 volumes dessa série. Com certeza foi uma perda de tempo.
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@wesleisalgado 30/12/2023

Eu amo o extraordinário no comum. E foi essa a sensação que eu tive lendo o primeiro MINHA LUTA. A escrita do KARL OVE KAUSGARD é extremamente prazerosa e fluída. A riqueza do detalhes e pensamentos e anseios, é um mergulho no cérebro, alma e coração do escritor.
Entendo não ser para qualquer um, mas não entendo a ojeriza vista em alguma resenhas. Mesmo sendo um livro muito pessoal, ele é extremamente acessível, não é como se você estivesse tentando ler PROUST.
Feliz por ter mais cinco livros me esperando nessa odisseia de minha luta os quais não serão nenhuma luta ler.
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 08/02/2016

Karl Ove Knausgård - A Morte do Pai
Editora Companhia das Letras - 512 páginas - Lançamento no Brasil em 07/05/2013

O autor norueguês Karl Ove Knausgård (pronuncia-se "quenausgorde") levou ao extremo o recurso da autoficção ao escrever um romance com base na sua própria biografia com um total de 3.500 páginas, publicado em seis volumes em sua terra natal. O fato é que a série completa ainda está em processo de tradução (no Brasil, a Editora Companhia das Letras já lançou os três primeiros volumes), mas encontrou forte identificação em leitores de todo o mundo e elogios da crítica que considerou o autor como uma espécie de Marcel Proust da era moderna. Este "A Morte do Pai" é portanto o primeiro volume da série completa chamada de "Minha Luta" (uma provocação utilizando o mesmo título do livro de Adolf Hitler, "Mein Kampf") e, como explicitado, trata principalmente das relações e do acerto de contas com o passado, tendo como pano de fundo a morte do seu pai.

Ao misturar memorialismo com ensaio e ficção, o autor criou um estilo difícil de definir, descrições banais sobre atos do cotidiano como comprar cigarros, preparar o café ou limpar os azulejos do banheiro, contrastam com complexas observações existenciais sobre a passagem do tempo, a abertura do romance (vamos chamá-lo de romance na falta de definição melhor) é direta e surpreendente, assim como as primeiras reflexões de Knausgård comentando justamente sobre a morte e o modo como é tratada em nossa sociedade, um exemplo claro do realismo brutal que o leitor está prestes a enfrentar nas próximas páginas e também sobre a dificuldade que terá para interromper a leitura:

"Para o coração a vida é simples: ele bate enquanto puder. E então para. Cedo ou tarde, mais dia, menos dia, cessa aquele movimento repetitivo e involuntário, e o sangue começa a escorrer para o ponto mais inferior do corpo, onde se acumula numa pequena poça, visível do exterior como uma área escura e flácida numa pele cada vez mais pálida, tudo isso enquanto a temperatura cai, as juntas enrijecem e as entranhas se esvaem. Essas transformações das primeiras horas se dão lentamente e com tal constância que há um quê de ritualístico nelas, como se a vida capitulasse diante de regras determinadas, um tipo de 'gentlemen's agreement' que os representantes da morte respeitam enquanto aguardam a vida se retirar de cena para então invadirem o novo território. Por outro lado, é um processo inexorável. Bactérias, um exército delas, começam a se alastrar pelo interior do corpo sem que nada possa detê-las. Houvessem tentado apenas algumas horas antes, e teriam enfrentado uma resistência cerrada, mas agora tudo em volta está calmo, e elas avançam pelas profundezas escuras e úmidas (...) E chegam ao coração. Ele continua intacto, mas se recusa a pulsar, atividade para a qual toda a sua estrutura foi construída. É um cenário desolador e estranho, como uma fábrica que trabalhadores tivessem sido obrigados a evacuar às pressas, os veículos parados a projetar as luzes amarelas dos faróis na escuridão da floresta, os galpões abandonados, os vagões carregados sobre os trilhos, um atrás do outro, estacionados na encosta da montanha." (págs. 7 e 8)

A narrativa em primeira pessoa não é linear, o tempo presente é 2008, ano no qual Karl Ove com trinta e nove anos, casado pela segunda vez e com três filhos desta relação, relembra em uma sequência aleatória e não cronológica os eventos principais de sua vida desde os oito anos. No trecho abaixo ele discorre sobre o pacato cotidiano familiar e as dificuldades que se impõem para realizar o seu trabalho de escritor. O conflito normal sobre o que ocultar e o que revelar, principalmente em uma obra que utiliza a própria vida como matéria-prima, exige coragem e pode levar a conclusões sinceras, mas desconcertantes, como na passagem abaixo:

"A sensação de felicidade que experimento não me ocorre exatamente como um turbilhão, está mais próxima do prazer e da tranquilidade, não importa, tudo é felicidade. Em certos momentos, talvez, seja até êxtase. E isso não é o bastante? Não é o bastante? Sim, se o objetivo fosse a felicidade, seria o bastante. Mas a felicidade não é meu objetivo, jamais foi, para que vou querê-la? Tampouco a família é meu objetivo. Se fosse, poderia devotar a ela toda a minha energia, seria fantástico, não tenho dúvida (...) Faço tudo que posso pela família, é meu dever. Resistir é a única coisa que a vida me ensinou, sem jamais fazer perguntas, incendiando toda essa angústia através da escrita. Não faço a menor ideia de onde vem esse ideal e, quando o vejo diante de mim, preto no branco, acho tudo um pouco perverso: por que o dever antes da felicidade? A pergunta sobre a felicidade é banal, mas não a que se segue, a pergunta sobre o sentido. Meus olhos se enchem de lágrimas quando olho para uma bela pintura, mas não quando olho para os meus filhos. Isso não significa que não os ame, pois os amo do fundo do coração, significa apenas que o que eles me trazem não é suficiente para dar sentido à vida. Ao menos não à minha." (págs. 35 e 36).

Nem todos os momentos são pesados, o período da adolescência do autor quando ele tem as primeiras experiências com garotas e forma uma banda de rock com os colegas é bastante divertido, principalmente para quem viveu aquela época ou passou por uma experiência semelhante de guitarrista frustrado (meu caso, por exemplo). Especialmente os preparativos para um show no shopping da pequena cidade, o ensaio do repertório com versões instrumentais de Smoke on the Water do Deep Purple, Paranoid do Black Sabbath, Black Magic Woman de Santana e o clássico do Police, So Lonely, que termina em um fracasso retumbante. Por sinal, a "play list" do romance é excepcional com The Clash, Joy Division, New Order, Talking Heads, David Bowie e Velvet Underground, para citar apenas alguns exemplos.

No entanto, a morte é mesmo o assunto principal neste primeiro volume. Todos os preparativos para o funeral do pai que faleceu em decorrência do alcoolismo e o estado de destruição em que encontram a casa em que ele morava juntamente com a avó paterna já senil. Na Noruega, os enterros ocorrem depois de uma semana do falecimento e este é o tempo que Knausgård e o irmão precisam para limpar toda a casa em uma tentativa de exorcizar o passado, lembrando de eventos da intimidade familiar, sem esconder os detalhes mais sórdidos e da influência negativa que o pai exerceu na formação dos dois. Não é um livro fácil, mas certamente está entre as melhores produções da literatura neste início do século XXI, onde o homem continua arrebatado por assuntos existenciais e ainda perplexo diante da morte.

"Agora eu via somente a ausência de vida. E já não havia diferença entre aquilo que um dia fora meu pai e a mesa onde ele jazia, ou o chão onde estava a mesa, ou a tomada na parede embaixo da janela, ou o fio que ia até a luminária ao lado dele. Pois os seres humanos são apenas formas em meio a outras formas, as quais o mundo não cessa de reproduzir, não só naquilo que tem vida, mas também naquilo que não tem, desenhado na areia, na pedra e na água. E a morte, que eu sempre considerara a maior dimensão da vida, escura, imperiosa, não era mais que um cano que vaza, um galho que se quebra ao vento, um casaco que escorrega do cabide e cai no chão." (pág. 402)
JUNIM 01/07/2016minha estante
Surpreendente sempre!




Rodrigo 26/06/2013

A morte...
Um livro sincero, intenso e dramático... um testemunho da vida como ela é. O escritor consegue de forma sincera transcrever p/ o papel detalhes que mostram a fragilidade do ser humano no seu confronto eterno com a vida. O vazio que habita dentro nós... a morte que nos espreita a cada instante. Realmente um livro forte que quando termina fica um gosto, mesmo que amargo, de quero mais!!

" um cano que vaza... um galho que se quebra com o vento ou um casaco que escorrega do cabide e cai no chão... "
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Diego361 06/03/2018

Livro superestimado
Quando ouvi falar que Knausgard seria o convidado da FLIP, pesquisei sobre o autor, que escreve uma série autobiográfica (gostei muito da do Coetzee), que tem o selo da Companhia das Letras (uma editora de elite) e decidi que leria quando tivesse a oportunidade.

Acabei abandonando quando faltavam 125 páginas. Numa resenha abaixo, uma skoober escreveu que alguém "escreveu um diário pessoal, imprimiu e resolveu chamar de romance". rsrs. É mais ou menos por aí. Se ele é o principal escritor norueguês atualmente, pelos menos na literatura contemporânea o Brasil bate a Noruega.

O livro não chega a ser ruim, não mesmo. Mas acho injustificado esse sucesso que dizem que o autor faz. Ele é muito descritivo e detalhado em situações banais que a mim, me pareceu, serve mais para aumentar o número de páginas (cada livro da série tem mais de 400 páginas) do que contribuir com a história.

Tem partes que são asssim: "Terminanos o show, fui até o estojo, abri-o, levantei a guitarra e a coloquei dentro do estojo, depois o fechei", ou "Abri o armário da cozinha, peguei a lata de café, abri, enfiei a colher, fechei a tampa, coloquei o café no copo e comecei a mexer", ou ainda "Entrou no carro, afivelou o cinto, dirigiu-se lentamente para o rodovia, parou antes de entrar na rua, virou à direita e seguiu o caminho". Penso que lhe faltou um feedback, de um editor ou de alguém próximo (é comum entre os autores americanos), indicando que a história poderia ser mais dinâmica, mesmo que estivesse descrevendo todo um processo que levava ao título da obra.

Sem a forte recomendação de alguém confiável, não lerei outro livro da série.
Dan 30/03/2018minha estante
Putz, se tem trechos assim tal qual você apresentou na resenha esse livro é horrível! Que péssimo! Uma pessoa dessa nem escritor é.




Karen 19/04/2022

Patriarcado
Mesmo sendo o livro 1 da coleção MINHA LUTA do autor, esse não foi o meu primeiro contato com Karl Ove.
O título trás o pai como tema, a morte desse no caso, mas em todos os livros da série se percebe que a presença dele é arrebatadora. Quantas vezes o autor não o cita ...
Em como seu pai teria reagido, dito ou se expressado sobre alguma ação dele, filho.
Nesse livro de volume 1, ele tenta dar um fim a essa presença tratando o pai como algo finito.
Bom Karl Ove, quem leu mais da série percebe que você tentou, mas ... ele seus lá.

"Se tivesse esquecido um acontecimento da infância, era provavelmente devido à repressão, se ficasse irritado de verdade com alguma coisa, era provavelmente devido à projeção, e o fato de sempre procurar agradar às pessoas que encontrava tinha a ver com meu pai e minha relação com ele".
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