spoiler visualizarMatheus de Faria 11/01/2022
Une charogne
"Recorda o objeto vil que vimos, numa quieta, linda manhã de doce estio: na curva de um caminho uma carniça abjeta sobre um leito pedrento e frio, as pernas para o ar, como uma mulher lasciva, entre letais transpirações, abria de maneira lânguida e ostensiva seu ventre a estuar de exalações. Reverberava o sol sobre aquela torpeza, para cozê-la a ponto, e para, centuplicado, devolver à Natureza tudo quanto ela ali juntara. [...] Zumbiam moscas sobre esse pútrido ventre, de onde em bandos negros e esquivos larvas se escoavam como um grosso líquido entre esses trapos de carne, vivos. [...] E no entanto hás de ser igual a esse monturo, igual a esse infeccioso horror, astro do meu olhar, sol do meu ser obscuro, tu, meu anjo, tu, meu amor! Sim! tal serás um dia, ó tu, toda graciosa, quando, ungida e sacramentada, tu fores sob a relva e a floração viçosa mofar junto a qualquer ossada. Dize então, ó beleza! aos vermes roedores que de beijos te comerão, que eu guardo a forma e a essência ideal dos meus amores em plena decomposição!"
Tradução e interpretação de Guilherme de Almeida (estrofes 1-3;5;10-12 em forma de prosa)
#editora34
Tem muito o que se falar do poeta e de sua poesia, muitos estudam Baudelaire, e o curioso, exposto na introdução da edição, é que da obscuridade do poeta e da morbidez muitas vezes refletida em seus versos, emana um tipo de angústia cristã. Realmente a tradução, ou seja, a interpretação genial de Guilherme de Almeida (1890 - 1969), é, comparativamente, até agora, a mais fluida e agradável que eu já li.