mpettrus 26/01/2024
A Vida é o Cúmulo do Absurdo
?[...] a vida é cheia de mudanças, o acaso é que ata as pontas do destino. Tudo se encaixa de maneira estranha, bizarra mesmo, ninguém é capaz de prever as coisas.?
??Mudança? é um romance autobiográfico escrito pelas mãos de Mo Yan, laureado pelo Nobel de Literatura. Compreendo agora o porquê da premiação. Bastam algumas páginas lidas para saber que ele é um verdadeiro escritor.
O livro está mais próximo de uma biografia imaginária, onde o romance se mistura com a novela e a realidade com a imaginação.
? A história de vida bastante comum do autor, resumida em pouco mais de cem páginas, não oferece nada de especial ao leitor.
Entretanto, algumas passagens escritas de forma interessante não passam despercebidas. E é aqui que entra o ponto central do livro: a narrativa envolvente de Mo Yan.
?O autor fala sobre sua vida e dá uma visão da China comunista, mostrando muito da visão dos camponeses chineses do vilarejo em que morava na era pós Mao Tsé-Tung, nos revelando em flashbacks como era a situação de vida do povoado em que nasceu e os pensamentos simplórios que todos daquela região tinham como ?objetivo de vida?.
?A mudança da China comunista pós Mao é representada aqui na narrativa do autor através da chegada de fábricas e lojas estrangeiras que tomaram rapidamente todo o país, a importância e o fascínio que o caminhão soviético Gaz 51 (quase uma personagem central da narrativa) exercia sobre todo o vilarejo e que com o passar dos anos tornou-se um veículo velho e esquecido, fazendo um contraponto poderoso, porém, sutil, entre a era comunista e a era capitalista.
? Desde a sua juventude, o autor passou por cargos em empresas estatais e depois no exército, onde quase acidentalmente fez carreira, e até recebeu honras acadêmicas em Pequim, antes da fama mundial.
Percebo que o governo e o exército ajudaram muito o escritor a crescer na vida numa época em que o país estava cercado por convulsões políticas e econômicas.
? Compreendo o porquê do autor não ?detonar ?o governo por sentir que seria hipócrita de sua parte em fazer isso. Contudo, ele não deixa de fazer as suas críticas falando sobre a corrupção que existe no país e o alto nepotismo que por lá ocorre.
O final da história conta um episódio com uma amplitude perturbadoramente incrível que até agora não entendi o quê o autor quis me revelar com isso.
? O romance curto é divertido, mas esse aqui é denso. Ficou-me a impressão de que li uma história pela metade, que ora flui como água, ora desliza como óleo.
Mas reconheço que a escrita de Yan é impecável. Reconheço que ele conseguiu em tão poucas linhas de maneira extraordinária e quase catártica, colocar o resumo de que a vida, ah a vida, é o cúmulo do absurdo.
?E a sua maneira de narrar uma história é cativante. Parece meu pai quando me conta as suas histórias da infância e antes de conhecer mamãe, daquele seu jeito simples e acessível, nunca perdendo a objetividade e sempre fazendo ótimas metáforas, usando expressões antigas e ditos populares que eu sequer sabia existir.
? As conversas com meu pai são sempre interessantes. Passamos horas a fio conversando, por vezes, ele se desculpa por ser tão prolixo dizendo-me que as lembranças embaralhadas lhe confundem a cabeça. Mas, eu lhe respondo ?tudo bem, pai. Continue, por favor?.
?E, tal qual Mo Yan, ainda que seja uma história contada pela metade, no meu mundo, papai já ganhou o prêmio Nobel de Literatura, porque suas histórias sempre me tocam, me fascinam e me resgatam da furiosa realidade que cerceia diariamente minha imaginação.
? E, foi exatamente isso que esse curto romance de Yan fez comigo: brincou com a minha imaginação sem, contudo, deixar de me provocar reflexões e questionamentos sobre o mundo em que viveu e que ainda existe, mesmo que seja do outro lado do planeta terra.
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