Pedro Azevedo 26/12/2014
"Não fale"
Mo Yan, escritor chinês, nasceu e cresceu durante uma época delicada da história recente da China. Em plena ascensão do Partido Comunista Chinês na figura de Mao Tsé-Tung, Mo Yan viu sua vida tomar rumos diferentes. No compasso da lembrança, ele deixa-se mergulhar nas memórias dos primeiros anos de sua vida, ainda na escola, quando todo o bairro parava para ver o único caminhão Gaz 51 da cidade correr pelas ruas, e assim caminha linearmente por suas escolhas e direções que o levaram até onde está hoje. E é claramente a mudança que dita o ritmo dessa leitura autobiográfica e histórica. A inconformação com o desperdício de sua juventude, se vendo jogado num meio ruralizado e completamente parado no tempo, serve de estopim para que ele faça sua primeira escolha: alistar-se no serviço militar, que, mesmo não correspondendo às suas expectativas iniciais, consegue alçá-lo a vôos mais altos.
Da surpresa que Mo Yan tem ao ver uma cópia idêntica daquele mesmo caminhão Gaz 51 que, pensava ele, ser único no país inteiro, na garagem de seu regimento, Mo tem seu primeiro choque com a dimensão do real. A sua percepção do universo exterior é abalada quando ele visita Pequim pela primeira vez. “A Pequim daquela época não era nem um décimo do que é hoje, mas para mim já parecia monstruosa e assustadora”. A fotografia das gruas e do canteiro de obras na parte interna da capa do livro nos dá idéia de movimento acelerado e crescente. O congestionamento ao fundo incita à dúvida: aonde estamos chegando?
Em seu livro, “Mudança”, Mo Yan conta a história da China a partir da sua história pessoal. A leitura deixa de ter, então, aquele referencial frio, monótono, automático e pragmático dos livros didáticos e ganha forma, cheiro e viço humanos. Indispensável para leitores interessados em História Contemporânea, socialismo, e cultura, Mudança carrega os retratos de uma época marcante na vida de seu autor, que, daquele tempo, carrega até hoje um sentido emblemático em seu pseudônimo: “Mo Yan” significa “não fale”.
“Numa entrevista recente, explicou ao público que o nome se refere ao período revolucionário da década de 1950, quando seus pais o instruíam a não falar tudo o que pensa quando em público.”