casalibra 27/01/2016A favor do som senso!JÁ tinha lido outro livro de Joaquim Manoel de Macedo, A moreninha, e lembro que gostei muito. Mas a atmosfera deste é bem diferente. Publicado em 1869, fica evidente em A luneta mágica o descontentamento do autor com a situação política do país e a preocupação com o desenvolvimento social.
No decorrer da história, o simples, o ingênuo, pobre Simplício, que não consegue distinguir uma rosa de Alexandria de uma angélica – literalmente - toma suas decisões dependendo daquilo que a luneta está lhe mostrando, já que não tem condições de perceber/ ver o seu redor sozinho. Acredita piamente na verdade moral que as lentes encantadas lhe apresentam, o que, obviamente, deturpa tudo - e o cega ainda mais, pode-se dizer assim.
Ainda assim, apesar da óbvia falta de bom senso (no final das contas, é só disso que precisamos), consegue perceber o que há de mais inerente ao comportamento humano na sociedade, e ataca a corrupção, os costumes hipócritas, a má administração política. Como no trecho a seguir:
“Creia que há magias a cada canto; olhe: como é que empregados públicos, e homens de todos os misteres e condições vivem, ganhando cinco, e gastando cinquenta em cada ano? Só por magia.” (p. 138)
Sim, magia que se estende até os dias de hoje, 147 anos depois de publicada a história. Surpreendente isso... ou será que o autor utilizou algum tipo de luneta mágica para prever o futuro, como seu personagem pretendia?
Já no trecho a seguir, que demorei para construir uma noção a respeito, Joaquim Manoel de Macedo (parece que se eu escrever o nome do autor é mais garantia de me lembrar dele depois) ironicamente acusa a facilidade com que os indivíduos conseguem adentrar numa esfera que deveria prezar pelo cuidado aos critérios, mas que ao contrário é facilmente invadida:
“Há tanta gente que de dia claro e com sol fora se presta a entrar pelas janelas em vez de entrar pelas portas, que não me pareceu anormal nem escandaloso no Brasil sair por onde se entra de ordinário para as mais altas posições do Estado.” (p.157)
Pobre Simplício... bem já diz seu nome, coisa típica de fábulas. Quase ficou louco com a visão do mal, e quase pobre com a visão do bem. Logo nós, leitores, podemos logo perceber o exagero, mas a miopia moral do personagem não lhe permite distinguir os limites da natureza humana. Achei este termo, miopia moral, bem apropriado, aliás: confere para aquelas pessoas que não se situam sozinhas, não enxergam a própria realidade, mas dependem exclusivamente do que lhe dizem os outros, ou as circunstâncias, ou a maioria.
A visão do mal lhe proporcionou as piores facetas humanas. Logo veio a desconfiança, o desespero, e daí para a loucura é só um passo. Louco, por dizer a verdade?
“Porque na sociedade a maior prova, o mais seguro sintoma de loucura é dizer a verdade sem rebuço, mesmo quando a verdade pode ser desagradável ou ofensiva.”
(p. 75)
Bem... isso me parece tão atual... Não estou dizendo que não existem loucos de verdade. Mas é que muitas vezes tal título é atribuído a alguém que tem ousadia de questionar e opinar - tipo aqueles rótulos de homofóbico, racista, machista, facista, e outros semelhantes (mais uma vez, não estou dizendo que não existam pessoas realmente homofóbicas ou racistas, mas o nível do vitimismo está tão insuportável que ofusca os casos que realmente merecem atenção).
Passando para a visão do bem... não parece tão maravilhosa quanto pode parecer. Porque desse jeito, todos os atos tenebrosos podem ser desculpáveis, atenuados.
“[...] e veem por isso em todos e em tudo o bem – na prática do vício imerecido infortúnio, no perseguido sempre inocente, no mal que se faz, indignidade, na trapaça e até no crime sempre um motivo que é atenuação ou desculpa” (p. 179)
Sim, há casos e casos. Mas nem tudo deve ser relativizado. Mas é isso que nosso ingênuo personagem faz, o que o leva a ser ludibriado muitas e muitas vezes. No estágio de aceitação que Simplício se encontra, seria capaz de enaltecer seu próprio assassino, e agradecê-lo pela oportunidade do descanso eterno, e ainda lhe dar uns trocados para voltar para sua família pobre e necessitada (hipoteticamente falando, claro).
O estilo literário do autor é bem agradável, cheio de palavras diferentes (dessa vez não anotei todas, que pena) e expressões singulares.
- “E fui vivendo assim até que um dia rebentou a primeira bomba de uma girândola de loucuras...”
“A borrasca ribombava sempre e incessante na sala, e eu era de contínuo fulminado pelos raios de três cóleras em delírio...” (p. 156)
Quando Simplício foca os insetos de seu quarto sob a visão do mal, consigo vislumbrar a estupefação do que lhe era revelado.
RATO : “Agora o que desconfio que seja verdade é que a justiça pública arma ratoeiras que só apanham os camundongos, e deixa e tolera que famosas ratazanas vaguem impunes, floresçam e brilhem fazendo farofa pelas ruas da cidade” (p. 82)
MOSQUITO: “Pelo que é licito concluir uma coisa horrível, isto é, que cada mosquito enxerga muito mais do que os afamados estadistas do Império do Brasil, que, segundo o testemunho dos fatos, mostram ser tão míopes quanto eu” (p . 80)
GRILO: “Não julgueis que é insignificante o malefício; perturba o sono, gasta a paciência, arranha os ouvidos, ofende os nervos e impede o sossego. [...] Felizmente, para mim os grilos são mais frequentes nas assembleias legislativas do que no meu sótão” (78)
A quem se aplicariam? Mais importante, são imagens atuais? Sim, é o que me parece.
Cada inseto pode ser visto como uma irônica representação de indivíduos e modos sociais.
A forma como o autor descreve a maldade dos insetos demonstra sua capacidade em descrever ideias tão etéreas: difícil pensar no assunto, mas lendo o que ele escreveu, vemos que faz um pouco de sentido – principalmente se tais considerações aos insetos forem transportadas para as relações humanas em si. E, sendo uma fábula, é justamente isto que deve ser feito.
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