fernandaugusta 23/06/2022A Costureira de Khair Khana - @sabe.aquele.livroA autora é jornalista e desistiu de um trabalho cobrindo política nos EUA para se lançar em busca de histórias de mulheres empreendedoras em áreas afligidas por conflitos. Seu primeiro trabalho neste nicho foi em Ruanda e posteriormente, ela deidiu se aventurar no Afeganistão, de onde saiu a história real de "A Costureira de Khair Khana".
Só pelo fato de viajar ao Afeganistão este livro já é fruto de um grande esforço, pois sabemos que por lá as coisas nunca foram fáceis. Rei deposto e ocupação soviética nos anos de 70 e 80, que por sua vez caiu para reformadores que impuseram governo de forte viés religioso, o que gerou conflitos e culminou na ocupação do governo pelos Talibãs - grupo fundamentalista que ocupou Cabul em 1998 e simplesmente instituiu o terror na vida das mulheres afegãs: não podiam trabalhar, não podiam sair desacompanhadas de um homem que não fosse da família, não podiam andar na rua descobertas, tendo que usar as famosas burcas. Uma vida de sonhos, conversas, música e danças proibidos e reprimidos sob pena de prisão e morte, em casos extremos.
É este o contexto do livro. Nele conhecemos Kamila Sidiqi, recém formada professora em uma numerosa família em que o pai sempre valorizou a educação. Após a invasão Talibã de Cabul, Kamila e suas irmãs tiveram que viver confinadas em casa. Seu pai (militar aposentado com conexões com o regime anterior) teve que sair da cidade junto com sua mãe, e, mais tarde, seu irmão mais velho teve que se refugiar no Irã. Sozinha, sem trabalho, não podendo exercer sua profissão e responsável pelas irmãs e irmão mais novo, necessitada de dinheiro para sobreviver em meio ao caos e à privação de tudo, Kamila teve a ideia de aprender a costurar e se arriscar a vender suas costuras nos mercados próximos ao bairro de Khair Khana.
O problema é que nem ela e nem suas irmãs mais novas sabiam costurar. Precisaram aprender com o auxílio da irmã mais velha, Malika. Mas logo Kamila conseguiu cumprir as primeiras encomendas e arrumar clientes regulares, apesar de sempre estar exposta ao perigo. As atividades de costura na casa de Khair Khana logo se expandiram e elas precisaram de ajudantes. Com o sucesso, Kamila formou uma escola de costura e se tornou empresária. Tudo isso dentro de casa, tomando extremo cuidado com rondas e batidas do Talibã. Logo estava colaborando com instituições internacionais que prestavam ajuda comunitária, mesmo correndo sério perigo.
O livro abrange a história de Kamila e sua família até a ocupação americana no Afeganistão - que ocorreu após o ataque do 11 de setembro, pois Osama Bin Laden estava em território afegão e o Talibã se recusou várias vezes a entregá-lo. O sucesso de Kamila foi usado como exemplo após a queda do Talibã e ela possui uma empresa que incentiva o empreendedorismo feminino no país.
A narrativa é fluida e me cativou não só pela história de Kamila, mas por descrever com detalhes a cultura, os hábitos e costumes do povo afegão. Muito me fez refletir a questão do apagamento feminino imposto pelo regime Talibã, pois as meninas e mulheres afegãs, como as ocidentais, também queriam ter cabelos bonitos, roupas diferentes, pintar as unhas, usar salto, estudar, trabalhar, sair na rua, escutar música, dançar em festas, ver filmes... e tudo isso lhes foi tolhido, com a imposição de uma perigosa clausura. Até hoje as mulheres lutam para ter voz e maior participação na vida pública.
Recomendo muito a leitura por ser uma imersão em uma realidade muito diferente da nossa, uma cultura muito diversa de tudo em nosso país e que temos que conhecer, principalmente para sempre fortalecer a luta pelos direitos e pelo respeito às mulheres, para que sirva de exemplo e não se repita. E também para sempre termos em mente que com determinação, coragem, inteligência e resiliência nos fortalecemos e sobrevivemos às mais duras adversidades.
"A Costureira de Khair Khana" está disponível gratuitamente para assinantes do Kindle Unlimited.