Fabio Shiva 26/03/2023
Eu sei que vou te amar, João Ubaldo Ribeiro!
Eu sempre soube que um dia iria me apaixonar por João Ubaldo Ribeiro. Durante a minha adolescência, como baiano “exilado” no Rio de Janeiro, eu acompanhava com gratidão as crônicas semanais dele no Jornal O Globo, que hoje percebo terem sido verdadeiros talismãs para preservar a minha baianitude interior.
E então, em 1991, a Rede Globo exibiu a minissérie “O Sorriso do Lagarto” (https://youtu.be/5VXp6a2z9qk), baseada em um romance de João. Não me lembro de ter visto a série, mas fiquei louco para ler o livro. Só que a leitura me causou uma profunda decepção por conta do final, que o leitor que eu era na época achou abrupto e sem sentido (hoje quero ler novamente “O Sorriso do Lagarto”).
Tempos depois, tive uma nova decepção ao ler “A Casa dos Budas Ditosos” (http://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2013/03/a-casa-dos-budas-ditosos-joao-ubaldo.html). Talvez o motivo tenha sido um puritanismo de minha parte. Mais uma vez, é o caso de ler de novo para ver o que acho agora.
Na terceira vez dei mais sorte, ao ler “O Albatroz Azul” (http://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2012/06/o-albatroz-azul-joao-ubaldo-ribeiro.html), publicado em 2009 e último romance de João, que desencarnou em 2014. Uma história serena e melancólica, retrato do autor diante do fim, que liguei a “Memorial de Aires”, derradeira obra de Machado de Assis, por evocar os mesmos sentimentos.
Mas ainda não fiquei satisfeito. Faltava um encontro arrebatador com João Ubaldo Ribeiro. Nesse início de 2023 tive a oportunidade de enfim passear pela Ilha de Itaparica, onde senti muito forte essa conexão com João. “Ele se banhava nesse mesmo mar”, cheguei a pensar, tomado por uma emoção inexplicável. Nem tentei encontrar alguma explicação: ao chegar em casa, fui direto apanhar “Sargento Getúlio” para ler.
E essa história toda que contei até aqui foi só para enfatizar: “Sargento Getúlio” é um dos melhores livros que li na vida! Uma brilhante joia da Literatura Mundial e certamente uma obra-prima da Literatura Brasileira.
É difícil escolher por onde começar a louvar esse livro, que cumpre com muito esmero uma das mais altas metas da Literatura, que é expressar a totalidade da vida em um romance. A história do Sargento Getúlio é tão horripilante quanto apaixonante: ficamos estarrecidos e, ao mesmo tempo, estranhamente comovidos. Getúlio é um monstro de brutalidade, mas também nobre e heroico à sua maneira.
A linguagem utilizada, do monólogo intensamente regional, é tão desafiadora quanto sedutora. Em poucas páginas fui capturado sem remédio, e me peguei economizando na leitura para fazer o livro durar mais. E essa foi a única queixa que guardei de “Sargento Getúlio”: o livro chegou ao fim.
Melhor deixar o próprio Getúlio falar por si:
“Sempre digo, nas festas de rua, quando o povo se junta feito besta de um lado para o outro: olhe as galinhas de Deus.”
“No natural, não falo com quem atiro, é um despropósito. Já se viu, por exemplo, matar um porco e dizer a ele que ele vai morrer por isso e por aquilo outro. Nada, é a faca. Quem se mata não se conversa.”
“Se quer fazer uma coisa, não converse. Se não quer, converse. Eu tinha de fazer.”
“Minha mulher sou eu e meu filho sou eu e eu sou eu.”
“Mas ninguém sente um bicho de pé sem se ver na obrigação de tirar.”
“Não que parece um ano; parece um dia, que o ano passa depressa, mas o dia passa devagar.”
“Essas alturas, se ele pudesse, me matava. Quer dizer, então não pode mais viver, que eu não vou existir com um cabra com sede no meu sangue, adonde.”
“Donde que o homem esguincha sangue mais longe do que pode cuspir.”
“Eu disse: dormindo na sua cama de vara, seu pirobo, agora veja essa peixeira que eu truxe, que deixei envenenada dentro dum rato morto duas semanas e tem um anzol no bico que é para eu arrancar um pedaço de sua tripa quando ela sair da sua barriga e tomar com cachaça, porque se tem uma coisa boa essa coisa é uma tripa de cabra safado assada de tiragosto, fritada na farinha do reino.”
“Eu respondia: quero viver uma vida curta de macho, sendo eu e mais eu e respeitado nesse mundo e quando eu morrer se alembrem de mim assim: morreu o Dragão. Que trouxe uma mortandade para os inimigos, que não traiu nem amunhecou, que não teve melhor do que ele e que sangrou quem quis sangrar. Agora eu sei quem sou.”
Filme “Sargento Getúlio”:
https://youtu.be/X0Zv2IUIFo4
Sinto que não demorarei a encarar a opus magna de João: “Viva o Povo Brasileiro”. E viva, viva! Viva João Ubaldo Ribeiro!
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