nflucaa 24/02/2024
Amor na crueza das mazelas humanas
Tinha ouvido dizer que Guy de Maupassant era um contista de primeira qualidade. E não é que é verdade? Nessa coletânea, todos os contos tem alguma relação com a ideia de ?amor?, mas em variadas formas. Não, não haverá aqui o amor romântico ideal, aquele que tudo funciona, tudo dá certo, tudo é mágico. Não, não. Maupassant retratou o amor existindo e permeando nossas mazelas como humanidade. Amores mesquinhos, egoístas, traições, vazios, fúteis. Amores doentes. Mas amores, em algum sentido.
Os contos são muitíssimo bem escritos, todos com início, meio e fim. Alguns são divertidos, outros pendem pro lado do terror (sim!). Esta é, com toda a certeza, a melhor coletânea de contos que já li. Vou atrás da coleção com todos os contos dele, porque é bom demais!!!
Destaque para os contos:
- Sobre a Água: uma história fascinante de terror, envolvendo três elementos simples: o amor de um pescador, um rio e a noite.
- A morta: o amor por aquela que se foi. Mas aquela que se foi era mesmo aquela que se havia conhecido? O final desse conto é surpreendente.
- A desconhecida: aquele amor que surge ao acaso. Quando tu vê alguém na rua e essa pessoa te arrebata. Tu não conhece, mas sabe que as almas dão ?match?. E então? Nada. Meses se passam e tu vê ela outra vez ao acaso e, novamente, a mesma sensação. Assim se dá várias vezes. Até que você toma iniciativa e consegue um encontro. E então? Frustração.
- Uma aventura parisiense: conto que dá título à coletânea. O amor como idealização de um padrão de vida. A frustração decorrente da efemeridade.
- A cabeleira: Um tufo de cabelo, uma paixão tresloucada, um manicômio. O amor como obsessão e até como fuga. A história do homem morto por um devaneio, possuído por um sonho ?medonho e mortal?.
Destaques:
- ?Sentia a vontade bem determinada de não ter medo, mas havia em mim outra coisa além da vontade, e essa outra coisa sentia medo. Me perguntei sobre o que poderia temer; meu eu corajoso debochou do meu eu covarde, e jamais percebi tão clara quanto naquela noite a oposição dos dois seres que existem em nós, um querendo, o outro resistindo, e os dois triunfando alternadamente.?
- ?Eu a amara perdidamente! Por que amamos? É estranho enxergar só uma pessoa no mundo, ter um só pensamento na cabeça, um só desejo no coração, e na boca um só nome: um nome que vem incessantemente, que sobe das profundezas da alma como a água de uma fonte, que sobe aos lábios e que dizemos, redizemos, murmuramos sem parar, por todos os lugares, como uma prece.?
- ?Existem ideias que nos penetram, nos corroem, nos aniquilam, nos deixam loucos, quando não sabemos combatê-las. É uma espécie de praga que assola a alma. Se temos a infelicidade de deixar um desses pensamentos se insinuar em nós, se não nos apercebemos desde o início que se trata de um invasor, um patrão, um tirano, que é um pensamento que se infiltra a cada dia, a cada instante, que retorna sem parar, se instala, afasta todas as nossas preocupações ordinárias e altera o ponto de vista do nosso julgamento, estamos perdidos.?
- ?Quando se deseja uma coisa, meu senhor, a gente a pinta tal como se espera.?
- ?o verdadeiro amor, o grande amor, não podia cair mais do que uma vez sobre o mesmo mortal, que era como o raio, este amor, e que um coração tocado por ele permanecia em seguida tão vazio, devastado, incendiado, que nenhum outro sentimento vigoroso, nem mesmo um sonho, podia germinar ali outra vez.?
- ?é preciso, para poder empregar sua vida ao lado de outro ser, não um brutal apetite físico, bem rapidamente extinto, mas uma concordância de alma, de temperamento e de humor. É preciso saber desvendar, na sedução que se padece, se esta vem do estado corporal, de certa embriaguez sensual ou de um encanto profundo do espírito.?
- ?Tinham parado de conversar havia um minuto mais ou menos, e os dois contemplavam o fogo, sonhando não se sabe com o quê, num desses silêncios amigos de pessoas que não têm necessidade de estar sempre falando para sentirem prazer na companhia uma da outra.?
- ?Quando me senti esvaziado de ideias banais, calei-me. É incrível como às vezes é difícil achar algo para dizer. E, além disso, sentia alguma coisa nova no ar, sentia o invisível, um não sei quê impossível de exprimir, aquele aviso misterioso que nos previne das intenções secretas, boas ou más, de outra pessoa em relação a nós.?