Benigno_Lê 31/10/2024
O livro é mais triste e pesado do que eu esperava.
A história contada trata dos meses que se sucederam após Gregor Samsa, o protagonista, acordar um dia de manhã transformado, metamorfoseado em uma grande peste (que, pelas descrições, parece ter várias características de um besouro, mas é bem possível que seja algo do tipo meio humano, meio inseto).
O impactante do livro é que, em momento algum, alguém se pergunta do motivo de Gregor ter se transformado, de repente, em um tipo de monstro. Toda a trama está centrada nas maneiras como a família irá se sustentar dada a nova configuração, como se o mundo exigisse tanto dos indivíduos no quesito de trabalho pela própria sobrevivência, que estes não poderiam "se dar ao luxo" de questionarem os motivos de algo ter acontecido, eles poderiam apenas aceitar e tentar contornar o problema. Gregor trabalhava como caixeiro-viajante e sustentava toda a sua família, seu pai, sua mãe e irmã mais nova. Entretanto, após sua metamorfose, não pode mais fazê-lo.
O estilo de escrita é bem concreto, a leitura é fluida e é possível acompanhar todos os cenários e eventos. Por conta disso, a história mostra como a família precisou dar mais atenção para poder tratar de Gregor, aceitando a sua condição repentina, mas sem saber o quanto de Gregor ali restava; ele ainda estava ali, mas, como não conseguia se comunicar, sua família foi perdendo a crença de que aquele ser tinha algo de Gregor.
A primeira parte trata de Gregor refletindo sobre como as coisas seriam sem sua ajuda, como a sua família iria se sustentar. No início do livro, Gregor não consegue sair do quarto para ir trabalhar durante a manhã, por conta disso seu gerente vai até sua casa para saber o que tinha acontecido, cobrando justificação para a sua ausência. Me parece que o livro é, no fundo, sobre trabalho, dificuldades financeiras e indivíduos incapazes de trabalhar e como eles se tornam um fardo para quem deles cuida, como elas podem ser vistas como sem valor, pragas. No mundo capitalista, quem não trabalha (e não tem dinheiro) não tem muito valor.
A segunda parte trata da evolução da família na tentativa de contornar os problemas financeiros e como eles tratavam de Gregor, ainda visto como mostro, algo que não dava para se acostumar. Nessa parte, o autor mostra que a irmã, Grete, era a maior responsável por cuidar de Gregor, fazendo enorme esforço para cuidar bem do irmão. Interessante ressaltar que o livro é bem concreto na descrição do Gregor metamorfoseado, fala sobre suas diversas pernas, sobre a capacidade e desejo de Gregor de nadar pelas paredes e teto, pelo fato de ele ter dificuldade de se locomover e de ficar de pé. Kafka supõe em sua obra que, de fato, Gregor era um monstro, mas, apesar de isso ser central na descrição dos eventos e no evoluir da história, parece que é algo secundário, o fato de Gregor se tornar alguém que precisa de cuidados e não mais poder trabalhar parece ser mais relevante que o fato de ele ter se tornado um inseto.
A parte final trata da mudança da dinâmica familiar e do cansaço da família com relação aos cuidados para com Gregor, principalmente da irmã. Todos agora estavam trabalhando de alguma forma. A história fica mais triste no fim, porque na perspectiva da família, Gregor é um monstro que não os entende, não há mais Gregor, apenas um ser que exige custoso cuidado, pois aquele não consegue se comunicar, apesar de bem intencionado na maior parte de suas ações. Seu desejo final era conversar com sua irmã, ouvi-la tocar o violino e apoiá-la nos estudos, mas ele não conseguia expressar esse pensamento. No mesmo momento que descobrimos isso, ouvimos Grete dizer que está cansada de sustentar aquela praga, que ela não mais reconhece como sendo seu irmão. No fim, Gregor morre, pois não conseguia comer direito, mas a família, apesar de chorar um pouco, não parece se importar tanto, parecem ficar até satisfeitos por entrarem em uma fase mais estável e promissora de suas vidas. Não dá para não pensar que essas ideias todas se passam na cabeça daqueles que precisam de cuidar de outras pessoas, principalmente indivíduos idosos ou com transtornos mentais; o cansaço, a dúvida da necessidade do cuidado, o conflito de sentimentos de carinho e desconforto.
O livro, de uma forma um tanto desagradável, me fez lembrar da minha avó Dolores nos seus últimos dias de vida. Como aquela pessoa que não mais respondia de maneira inteligível, que não se sabia o quanto entendia das mensagens a ela direcionadas, mas que ainda exigia os maiores cuidados e que, talvez, ainda estivesse um pouco consciente dos acontecimentos ao seu redor, mas impossibilitada de se comunicar ou raciocinar devidamente. Esse livro me fez pensar sobre essas questões do cuidado de pessoas inválidas e dificuldades econômicas passadas pelos familiares envolvidos no processo.