Quaderna 26/09/2024
Entre insetos e homens
Ó nobre leitor, deixai-me guiar-vos pelas brumas da obra Metamorfose, do insigne Franz Kafka, onde a realidade se desenha com traços tão tortuosos que nos fazem lembrar das reviravoltas do sertão. Nesta narrativa peculiar, encontramos o pobre Gregor Samsa, que acorda numa manhã e se vê transformado em um inseto ? não um inseto qualquer, mas um ser grotesco e monstruoso. Porém, eu vos digo: que estranheza é essa? A metamorfose de que fala o autor não é mais que um retrato do cotidiano, onde tantas vezes nos sentimos como os próprios insetos, arrastando nossas vidas pesadas e cheias de obrigações, mesmo quando o corpo clama por descanso e a alma pede clemência.
No desenrolar da trama, o valente Gregor, que outrora sustentava sua família com o suor do seu trabalho, agora é tratado com desprezo e indiferença, como se a sociedade, essa entidade fria e calculista, tivesse decidido que sua condição atual o tornava indigno de amor e compaixão. A rotina, essa serpente traiçoeira, se transforma numa prisão, fazendo-nos recordar quantas vezes despertamos exauridos, não por uma metamorfose física, mas pela pesada carga do dever, prontos para enfrentar um mundo que não perdoa os fracos. Kafka, com sua pena afiada, revela o absurdo de nossa existência, onde o peso do mundo se torna mais leve que o desprezo que recebemos dos que nos rodeiam.
Ao fim, meus caros, não é apenas a transformação de Gregor que nos choca, mas a crua realidade de que somos todos, em algum momento, insetos à mercê do olhar severo da sociedade. Entre a comédia e a tragédia, Kafka nos brinda com um espelho que reflete nossas próprias metamorfoses silenciosas, aquelas que ocorrem dentro de nós, enquanto seguimos como sombras pelos caminhos da vida. Que esta leitura nos inspire a resgatar a essência da humanidade que nos une, e que, mesmo nos momentos mais estranhos e difíceis, possamos encontrar luz e esperança, tal qual o sol que desponta no horizonte após uma longa e tenebrosa noite.