Cardoso 22/04/2015
Muito mais que um "especialista em mulheres", um analista do tempo.
Muito por acaso achei esse título ao observar, na biblioteca de minha universidade, as poucas prateleiras (duas ou três) dedicadas à literaturas menos famosas (japonesa, judaica, polaca, etc.): deparo-me com esse belo título, essa bela capa. Houve, sabe-se lá porque, alguma ligação entre eu, que estava, e este livro, que é, melancólico. Felizmente, as descrições da contra capa, das orelhas e da introdução se mostraram pequenas e simplórias diante a obra -- as mulheres são indubitavelmente personagens fortes e complexos, principalmente a Sra. Ota, mas não o destaque.
Minha intuição ao ler o título estava certa, pulando praticamente todas as observações do tradutor (autor da introdução), que não passaram de detalhes diante a longa e tranquila planagem que "Nuvens de Pássaros Brancos", que começou a ser escrito poucos anos após o fim da Segunda Guerra Mundial. O livro é uma reflexão da vida e do próprio contexto do Japão depois do ocorrido, do que ainda estava por vir e, numa perspectiva mais ampla, de toda sua história, trabalhando o conflito entre um "antigo Japão" contra um "novo Japão".
O romance é centrado em lentas transformações ainda que rapidamente lidas; Kawabata é dono de uma narrativa languida, que escapa rapidamente de nossas mãos, impressionisticamente misturando a paisagem natural e cultural do Japão (os pássaros, o por do sol avermelhado, os utensílios da cerimônia do chá) ao descrição a tentativa de ruptura com um passado confuso, difícil de julgar mas que precisa ser esquecido. Mitani Kikuji, o protagonista, se vê enredeado na vida do pai falecido, se envolvendo com suas duas amantes.
O "antigo", alegorizado pela arte do chá e pelo passado paterno, se mostra, primeiramente, feio, constrangedor; depois, compreensivo, apesar de até que condenável; lentamente ele se transforma, é completamente apreciado, sentido para, só então, ser superado. Pura dialética. Kikuji se livra dos fantasmas do pai lidando com eles ao absorver e transformá-los em sua própria experiência viva.
O livro, entretanto, termina pessimista, perdido numa paranoia do protagonista: ainda que livre de fantasmas, em paz com os mortos (a vida e a morte é outra questão importantíssima do livro, que se absorve nas raízes de minha interpretação), o amargo do vivido ainda se sente na garganta.