Gabyh 07/02/2024
Não acredito que eu favoritei um livro desse kkkkkkk
Como uma história tão simples pode me pegar tanto!
Comecei esse livro por conta de uma cadeira da faculdade, e meu trabalho final é escrever uma resenha crítica, seguindo os critérios acadêmicos, sobre o que eu achei dessa obra. E meus deuses, eu estou completamente estarrecida com essa leitura.
Ana Paula Mais tem uma escrita direta, crua, sem floreios e rodeios. Sua ambientação é muito bem descrita, e de uma forma bem esquisita até familiar. O matadouro em meio ao nada, em meio a quilômetros de gramados, árvores, rios e um céu com um sol de rachar. A autora não coloca datas, não coloca horários, mas ela me fez sentir que nem na novela "O Rei do Gado".
Ao contrário do que eu li em algumas resenhas da obra, eu acho Edgar Wilson um personagem brilhante. Um cara quase que sem passado, não aparenta ter tanta personalidade ou gostos pessoais, mas que me é tão marcante em muitos outros aspectos. Sua forma de falar, como se sempre soubesse o que está acontecendo, como de sempre soubesse exatamente o que falar; o reconhecimento de seu trabalho, de seu papel nessa indústria de carnificina animal. Ele me passa um ar daquelas pessoas que falam pouco, mas que conseguem ter muita atitude em poucos suspiros.
É compreensível alguns não conseguirem exatamente se conectar ou pelo menos se deixar cativar por ele, visto que, para uma visão mais leiga, ele possa aparentar ser uma casca vazia de ser humano, mas eu acho que isso combina exatamente com o contexto da história. Eu não sei vocês, mas eu tenho certeza que se eu precisasse abater animais todo o santo dia, olhando no fundo dos olhos deles, sempre rezando pela suas almas e marretando suas cabeças eu também perderia um pouco da minha.
É notório o elemento do "homens machões trabalhando em trabalho de macho e agindo como macho", mas nem o der humano mais forte do mundo conseguiria não perder um pouco de si em um trabalho tão violento como esse. Na minha cabeça, Edgar é um ser que vive em eterna apatia de tudo. Se Seu Milo mandar ele abater um boi ele abate, se mandar ele abater uma vaca ele abate, se mandar abater um humano ele abate. Não importa a carne, ele vai abater, porque chegou um ponto em que isso é o cerne dele, e mesmo assim ele não se perde totalmente. Ele não enlouquece, sai da linha, age como superior; ele só age como ele mesmo, e mesmo com a apatia ele consegue equilibrar muito bem sua personalidade.
A questão animal aqui é MUITO interessante, também se ligando ao Edgar e em como a sua mente trabalha. Ele se reconhece como assassino, ele considera o que faz um crime, mas ele não tem uma completa noção do alcance das consequências dos seus atos, pelo menos não até o acontecimento final envolvendo as vacas do local. O que me surpreende é um homem supostamente ignorante (visto que se supõe que a história se passe do século XIX para o século XX, onde educação não era lá o maior foco de um brasileiro pobre) ter muito mais consciência do que algumas pessoas em pleno século XXI. O cara literalmente se incomodava de deixar outro funcionário abater as vacas porque o cara se divertia assassinando brutalmente uma vaca, apenas para vê-la agonizar no chão, tendo uma morte completamente descabida e dolorosa.
Sem contar aquela cena com a aluna em meio ao passeio escolar e o quão escancarado ele deixou a hipocrisia dela, para que todos pudessem presenciar. O cara abate animais e tem mais consciência do que muita gente, pelo amor de Deus!
É claro que eu tenho algumas questões, em "especial" duas: a primeira dão os nomes dos personagens. Adoro o Edgar, mas pelo amor dos deuses, quem que dá um nome tão estrangeiro para um ser humano pobre que trabalha provav em algum interior brasileiro?
Focando na minha dúvida maior, eu preciso expressar o quão duvidoso eu acho o Bronco Gil. O cara é indígena, sabe sobre sua cultura, até faz curado e afins utilizando aprendizados passados, é de um povo que cultua a ligação dos povos com a natureza, e o cara simplesmente não entende por que os animais estão morrendo KKKKKKKK. Parece a Dora, a aventureira se afogando e perguntando para o telespectador onde que tá o mar.
"De gados e homens" é um livro cruel que fala sobre a indústria da carne e de toda a carnificina que rola por trás até chegar no seu prato, mostrando um bando de homens completamente apáticos (e perdendo um pouquinho da própria sanidade mental), alguns afundados em sua própria hipocrisia (beijo Seu Milo) precisando lidar, pasmem, com as consequências dos seus atos.
Eu vi algumas pessoas reclamando que a autora não explicou o elemento "sobrenatural" e "fantasioso" que rolou com os animais, mas desde que eu li a sinopse e compreendi o contexto do lugar eu entendi perfeitamente que os acontecimentos estavam LONGE de serem algo místico. Queriam os seres humanos que fosse algo místico, culpa dos ETs, sei lá.
Simplesmente descobri que esse livro faz parte de uma trilogia, e agora eu estou me coçando para largar tudo que eu preciso fazer e ir ler tudo.