Anna Laitano 01/05/2014Uma hipótese teórica em forma de romanceCom um tema delicado, uma abordagem inovadora e poucas páginas, "De coração para coração", da autora Lurlene McDaniel, consegue chamar a atenção logo na sinopse. Então, ao recebê-lo, não aguentei esperar nem um segundo para começar a leitura que prometia ser promissora. Para a minha surpresa, tudo fluiu ainda mais rápido que o esperado e em apenas uma noite terminei de ler essa envolvente história sobre amizade, recomeços e superação.
O livro é dividido em três partes, nas quais as narrativas de Kassey e Arabeth se alternam, sem necessariamente alternar entre as duas perspectiva a cada capítulo. A primeira parte, por exemplo, é totalmente narrada por Kassey, já que se trata da história de sua amizade com Elowyn, até a morte da melhor amiga.
Outro ponto importante no quesito narrativa, é a forma como a autora escolheu abordar o tema. A premissa pode passar uma ideia de drama, regado à lágrimas, mas não é bem isso que encontramos. A história é tão leve quanto o possível, considerando-se o tema, e bastante objetiva e direta. Nada muito descritivo nem polêmico pode ser encontrado no livro. É uma narração mais enxuta, ao estilo "curto e grosso" – ainda assim, não perde a essência tocante ou deixa de passar as emoções propostas.
As três protagonistas são construídas de forma bastante satisfatória. Seus passados são contados em poucos parágrafos, ajudando o leitor a sentir uma conexão quase imediata, como se já as conhecesse há tempos. Elas também mostram alguns traços bem definidos de suas personalidades, e têm conflitos, dúvidas, medos e desejos totalmente condizentes com a realidade de jovens dessa idade.
Os personagens secundários, por outro lado, são um pouco mal aproveitados. Mesmo os pais de Elowyn ou Wyatt, que ainda têm uma participação maior e reações emocionais bastante verossímeis, não são tão explorados e trabalhados. Não que isso afete tanto na avaliação final da história, mas poderia ser um acréscimo enriquecedor, que daria um algo a mais que, por vezes, senti falta.
Um dos pontos mais curiosos, sem dúvida, é a temática pouco explorada e original de "memória celular". Para quem não sabe, a memória celular é uma hipótese de que as células de todo o corpo – e não apenas os neurônios – armazenam memórias. E, ao transplantar um órgão, essas memórias também seriam passadas do doador para o receptor. Embora tal teoria não seja confirmada, às vezes nem muito acreditada, existem receptores que após o transplante sofrem algumas alterações na personalidade, hábitos e etc.
Para demonstrar esse conceito, a autora acabou forçando um pouco determinadas situações ou diálogos, exagerando em certas semelhanças entre Elowyn e Arabeth. Uma falha nessa construção, é que a temática principal já seja apresentada no início (tanto na nota inicial da autora quanto na sinopse), pois quebra o clima de mistério que se tenta construir entre os personagens, que ficam confusos com o que está acontecendo e sem saber a origem ou explicação de tal fato.
Embora existam romances no livro, nenhum chega a ser o foco principal da história. O único relacionamento que de fato tem uma construção romântica é o de Elowyn e Wyatt. Os outros são mais fases de superação, luto e descobertas que os personagens estão vivendo – o que é um grande ponto positivo, pois em nenhum momento a história prometia ser sobre relacionamentos românticos.
A capa não é a mais chamativa ou marcante, mas ao ser analisada se torna mais interessante pela forma como as digitais são posicionadas para formar os corações, retratando muito bem o tema principal de identidade e memória celular. Com edição simples e limpa, o livro é bastante agradável aos olhos. Da mesma maneira, a tradução e a revisão não deixaram passar erros que eu possa recordar, o que é sempre um ponto positivo.
Este é um livro que eu recomendaria por ser rápido, objetivo e diferente. De certa forma, é um romance para contextualizar um conceito teórico e hipotético. Porém, no geral, ainda senti falta de algo mais profundo, que causasse mais impacto e marcasse o leitor, fazendo a história permanecer vagando no fundo de sua mente, causando reflexões.
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