fabio.ribas.7 12/01/2023
Samarcanda
Samarcanda tornou-se, dessa maneira, o símbolo do encontro inelutável do homem com seu destino.
?A história dos árabes é uma história de guerras?, ouvi alguém dizer. Acho que a pessoa citava uma outra. A verdade é que ao lermos ?Samarcanda?, em suas duas partes temporais, saímos convencidos disso. São tantas intrigas, golpes, tramas, espionagens, mortes, assassinatos, derrubadas de impérios, ascensões de outros, que não há dúvidas de que quanto mais estudamos os povos árabes mais desmistificamos suas histórias.
Poderíamos dizer que a maior parte das histórias de Samarcanda giram em torno de três personagens: Nizam Al-Mulk, que governou o mundo persa; Omar Kayyam, que observou esse mundo; e Hassan Sabbah, que o aterrorizou. Este último, à medida que a história se desenrolava, logo me trouxe à lembrança aquele jogo de video game, ?assassin?s creed?, que acabou sendo marcado, aqui no Brasil, pelo crime de um adolescente que matou a família. Esse adolescente seria um assíduo jogador desse jogo, por isso, na época, lembro que surgiu o debate sobre a influência de jogos violentos na formação dos adolescentes. Ao ler Samarcanda, e à medida que Hassan Sabbah ia sendo apresentado, recordei do jogo e me perguntei se haveria alguma ligação entre ?a seita dos Assassinos? de Hassan e o jogo e, sim, o jogo foi inspirado nesse grupo. Durante a narrativa, vemos o autor desfazer vários mitos em relação ao grupo dos assassinos, desde a origem do nome deles até a própria pessoa de seu fundador. Há um outro livro que desejo ler que apresenta Hassan totalmente diferente do fanático religioso de Samarcanda. O livro é ?Alamut?, de Vladimir Bartol. Aqui, Hassan é apresentado como um cético, um descrente, um mero manipulador das crenças alheias, para se servir delas para atingir seus objetivos.
O livro de Maalouf é composto de 4 livros dentro dele, mas podemos separá-lo em dois momentos históricos: a narrativa que se dá por volta do ano 1072 e a segunda parte da história que se desenvolve quase 1000 anos depois. Amin Maalouf escreve muito bem! Os personagens são muito envolventes nesse romance histórico que nos mostra, entre tantas coisas, as tramas políticas em que a Pérsia (atual Irã) sempre se viu envolvida. O pivô de ambas as narrativas históricas se dá é a obra do poeta Omar Kayyam, o ?Rubbaiyat?, que significa ?as quadras?. Os rubbaiyat não eram uma composição poética reconhecida pelos poetas tidos como sérios. Eram composições de valor menor e que, da maneira como foram atribuídas a Kayyam, trata-se de versos profanos com elogios ao vinho, ao sexo e à boa vida. ?Samarcanda? irá mostrar, então, que eram versos para declamação em público em momentos de festas e encontros, mas, como eram de cunho profano, Kayyam teria recebido um caderno com páginas em branco para anotar essas quadras toda vez que ele pensasse em recitá-las. É interessante notar o valor dessa literatura oral que começava a ser escrita para, então, alcançar a eternização dela. E essas quadras escritas (e também acrescidas de crônicas e anotações) serão a grande busca empreendida pelo personagem de Lesage na segunda parte temporal do livro.
Por fim, há um tema belo e muito bem conduzido pelo autor de Samarcanda: o amor pela literatura, alegorizada na história pelos casais que se reúnem em torno dos livros que amam. Isto se dá nos dois tempos narrados no livro. O amor entre Omar e Djahane e também o amor de Lesage e Chirine. Com o toque a mais de que o segundo nome de Lesage é ?Omar?, dado pelos pais por terem sido reunidos pelo mesmo amor e paixão que nutriam pelos versos de Kayyam. E é sob este tema do amor ccompartilhado pelos amantes aos livros que lêem, que surge uma das descrições mais belas do livro, no segundo parágrafo da página 298!
O fim do livro, portanto, é o mais explícito nessa relação que podemos ter não apenas com os livros, mas, principalmente, através e por causa dos livros com a tradição, a história dos povos e o nosso passado: quando perdemos livros, perdemos com eles o que, por causa deles, também aprendemos a amar.