spoiler visualizarnanda :) 27/12/2023
Memórias de um Sargento de Milícias: quando o clássico vira história <3
“Aos foguetes seguiram-se, como sabem os leitores, as rodas. Nessa ocasião o êxtase da menina passou a frenesi; aplaudia com entusiasmo, erguia o pescoço por cima das cabeças da multidão, tinha desejos de ter duas ou três varas de comprido para ver tudo a seu gosto. Sem saber como, unia-se ao Leonardo, firmava-se com as mãos sobre os seus ombros para se poder sustentar mais tempo nas pontas dos pés, falava-lhe e comunicava-lhe a sua admiração! O contentamento acabou por familiarizá-la completamente com ele. Quando se atacou a lua, sua admiração foi tão grande que, querendo firmar-se nos ombros de Leonardo, deu-lhe quase um abraço pelas costas. O Leonardo estremeceu por dentro, e pediu ao céu que a lua fosse eterna; virando o rosto, viu sobre seus ombros aquela cabeça de menina iluminada pelo clarão pálido do misto que ardia, e ficou também por sua vez extasiado; pareceu-lhe então o rosto mais lindo que jamais vira, e admirou-se profundamente de que tivesse podido alguma vez rir-se dela e achá-la feia.”
Descobri esse livro pelo filme do Murilo Benício, apresentado pela professora de português -te amo, Eli!- e, quando descobri que era baseado em um livro e que havia uma edição na biblioteca da minha escola, emprestei na hora.
Eu sou obcecada por essa história. Pela forma que ela segue, pelos personagens, pela escrita. Tem alguma coisa nela que me prende, e, assim que você passa pelo português levemente antigo -apesar de não ser nenhum Machado de Assis-, parece que a história toma vida na frente dos seus olhos.
A história se passa na época da colônia, no Rio de Janeiro, e vemos as peripécias do Menino Leonardo, um menino levado e muito amado pelo seu padrinho. Apesar de todas as loucuras, como a madrinha tentando incriminar o José Manuel, ou o Leonardo tentando enganar o Major Vidigal, essa história parece real, que aconteceu em algum momento na história do Brasil. Tem aquela magia brasileira do personagem principal malandro, das ações exageradas e da base da comunidade ser a fofoca.
Esse é um dos aspectos que eu mais gostei da história: como o autor conta ela como se fosse uma grande fofoca. Antes de se tornar um livro propriamente dito, os capítulos eram folhetins de jornal, o que faz todo sentido, ter esse senso de contar as notícias do bairro. O autor conversa com o leitor, conta coisas apenas para nós, nos permite se aventurar nos pensamentos dos personagens e ri sobre eles com a gente. Apesar de ser um livro mais antigo, o português não é tão difícil e, depois que você se acostuma com as mesóclises e com os travessões que não voltam mas a fala continua, a leitura flui muito bem. De novo, parece que essa história é real, de tão bem que é escrita.
Dessa forma, foi inevitável minha paixão pelos personagens, em especial por Leonardo e Luisinha. Saber que ele achava ela feia antes! E ele se apaixona por ela aos poucos! E ele volta para ela! Lindo, lindo, lindo. Sabia que eles iam ficar juntos, e ver o amadurecimento dos dois junto com essas migalhas de romance foi o que eu precisava para curar onde doía. A cena que ele se declara para ela?
“— Pois então eu digo… a senhora não sabe… eu…. eu lhe quero… muito bem.
Lusinha fez-se cor de uma cereja; e fazendo meia volta à direita, foi dando as costas ao Leonardo e caminhando pelo corredor. Era tempo, pois alguém se aproximava.
Leonardo viu-a ir-se, um pouco estupefato pela resposta que ela lhe dera, porém não de todo descontente: seu olhar de amante percebera que o que se acabava de passar não tinha sido totalmente desagradável a Luisinha.
Quando ela desapareceu, soltou o rapaz um suspiro de desabado e assentou-se, pois se achava tão fatigado como se tivesse acabado de lutar braço a braço com um gigante.”
Isso, meus queridos, é romance! A sutileza, a vergonha, o açucarado primeiro amor… É perfeito. Apesar de não gostar, entendo que Leonardo tinha que ter seu relacionamento com Vidinha, para ele poder amadurecer e tudo mais, porém, Leonardo e Vidinha nunca serão Leonardo e Luisinha!
Acho que, o principal motivo para eu ter gostado de Vidinha, foi, justamente, porque ela tem desenvolvimento/personalidade. Assim como o padrinho, a madrinha, José Manuel, Leonardo-Pataca, Major Vidigal e por aí vai. Apesar de não vermos os detalhes deles, assim como vemos com Leonardo, eles não são bidimensionais; há algo além deles. Você consegue se conectar com todos eles, e se importa, e quer saber mais sobre eles. É uma delícia acompanhar essa história, com essas personagens que são realmente gostáveis -ou não.
Deve estar claro que eu gostei muito desse livro. E, mesmo o filme sendo completamente diferente do livro, ainda gosto dele. É engraçado como o filme tentou encaixar os acontecimentos principais do livro, mesmo que tudo torto. No filme, Leonardo nem é um adolescente! Porém, me deu a sensação de um universo alternativo, com os personagens que eu me apeguei em um outro contexto, e eu gostei de ambas narrativas. Obviamente, nada supera o livro, mas veria o filme novamente, com certeza!
Acho que a leitura de clássicos deveria ser assim: prazerosa. Que os leitores sejam capazes de ver além do vestibular, e encontrar a história, os personagens, o amor do autor por aquela narrativa. Sou a favor de ler clássicos nas escolas justamente por experiências como essa daqui, onde eu nunca encontraria esse história querida se minha professora de português não tivesse me apresentado. É necessário que, além de ler um livro pois seus temas podem cair no ENEM, as pessoas leiam clássicos por suas histórias. Se eles são clássicos, livros que sobreviveram pelo tempo e ainda são relevantes, é por um motivo!