Bee 27/04/2015
Caixa de fotos, filmes e amores
É sempre um prazer ler os contos de Marçal Aquino, escritor de narrativa lacônica e estilo próprio de escrever, e agora um romance com essa sua marca ímpar. Eu já tinha visto o filme, de mesmo nome, com atuação de Camila Pitanga e direção de Beto Brant, antes de ler o livro. Lembrei de algumas partes, cenas desta história que eu diria principais.
Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios (Marçal ganha leitor já na escolha do título ─ O amor e outros objetos pontiagudos é outra ótima nomeação para um livro de contos) é uma narrativa de tramas bem amarradas, que vão se encaixando naturalmente no final, como se pelo destino. Um roteiro cinematográfico, como costumam ser suas histórias. Sempre de personagens típicos ─ do maquinário urbano para as mais longíquas terras do interior, das fronteiras do Brasil. Pessoas simples, forasteiros, andarilhos e outros errantes que já perderam contato com a família ou qualquer coisa que valha a pena. Marçal parece caçar os excluídos à margem da sociedade e apresentá-los de maneira natural, meio sem ênfase, meio sem indiferença, procurando alguma suposta normalidade no "anormal". O efeito chega a ser agradável. Imagem que se aproxima da natureza humana.
A história do fotógrafo que estacionou no interior do Pará, num lugarejo em que crescia tensão entre garimpeiros e mineradora durante uma corrida do ouro, e se apaixonou pela mulher de um pastor é quase toda contada pelo próprio ─ o Cauby, em primeira pessoa. Exceto no flashback de quando o Pastor Ernani conheceu sua mulher na capital Vitória ─ a ex-puta Lavínia (ou Shyrley? Essa Lavínia era dupla personalidade ─ uma dama recatada, esposa de um pastor, cheia de decoros, ou a devassa, a puta que "trepava feito uma cadela no cio" ─ parece que o autor quis fazer um retrato do que se conhece popularmente como a mulher perfeita ─ dama na sociedade, puta na cama). Então, é oportuno também citar as nuances sobre o amor citadas ao longo do livro, pelo professor freak Benjamim Schiamberg, o malucaço e mais obscuro dos filósofos do amor.
E fictício também, assim como seu livro O que vemos no mundo. Me pergunto se Konrad Lorenz e Pretty baby de Keith também são fictícios (leitor: averiguar por conta). Mas Aquino, com essa ideia criativa, recheou o livro de saberes e citações ─ eu diria vagamente influenciados por Schompenhauer/Nietzsche ─ exemplos que viram metáforas, e outras algaravias. No meio das duas narrativas, há um também a história de um amor platônico contada por um ex bancário, na varanda da pensão da dona Jane ─ cena que inicia o livro. No tratado nada ortodoxo do sábio Schiamberg, não poderia faltar um capítulo especial só para falar dos platônicos. Os apaixonados que, na falta de outro remédio para o vírus do amor, tomam para si o maior de todos os venenos: a esperança. Cauby é quem vai citando trechos, trazendo pra sua novela com Lavínia e entrelaçando flashbacks com muita competência.
O livro é assim, com conteúdo, personagens marcantes, detalhados naturalmente, e acontecimentos surpreendentes. Acima de tudo, com uma narrativa que mostra uma normalidade agradável na rotina de pessoas simples, de gente do Brasil, e de lugares precários, mas que escondem beleza e poesia se olhados novamente.