spoiler visualizarBelmunitor 10/06/2024
A aposta
É difícil crer que ainda não saiba que Goethe inspirou a sua criação em uma lenda popular. Fausto já era uma personagem conhecida de todos, muito embora eu não tenha ainda lido qualquer outro livro escrito por qualquer outro autor a respeito dela.
Mas vamos aos fatos, Goethe sentia-se bastante ligado a Fausto, por causa de suas birras em comum.
Fausto presume-se sábio, inteligente, o melhor de todos em todas as matérias. Por que presume-se? Porque antes de colocá-lo como tal, é importante destacar que assim se presumia ele. Isso ajuda e muito na hora de transpor o simbolismo da personalidade de Fausto para os faustos que conhecemos no nosso dia a dia. Mas nada disso importava a Fausto, que decide dar cabo da própria vida por puro tédio.
Tal como em Jó, há uma aposta entre Deus e o diabo, para começar o desenrolar da história.
Jó, entretanto, era temente a Deus, o diabo jamais conseguiria fazer com ele qualquer pacto. Já Fausto, aborrecido com uma vida sem sentido, foi facilmente persuadido. Em Jó, o diabo só faz esculhambar-lhe a vida: rouba seus bens, seus filhos, seu dinheiro e sua saúde. Em Fausto, o diabo promete-lhe novas descobertas.
Ao longo do caminho, Fausto conhece então o amor e solicita ao diabo, seu escravo, toda sorte de ajuda para conseguir a sua amada. Mata-lhe o irmão e a mãe e termina por deixá-la grávida. Continua sua vida leviana, sempre atrás do diabo, em festas e orgias, com a cabeça zonza a pensar em Margarida. Não foi suficiente.
A pobrezinha esteve a ponto de enlouquecer, com demônios falando-lhe à mente, desgraçada que foi, não pôde dar novo sentido à vida, cedeu pois, e matou seu filho afogado.
Já na cadeia, em severos delírios, aparece-lhe seu amado com o fim de salvar-lhe a vida, ao que ela negou veementemente: não poderia viver e gozar, sabendo o que havia feito. Seu coração estava cheio de pesar e grande foi o seu arrependimento. Morreu Margarida e foi absolvida.
Fausto, ali permanecera, na derradeira hora, esperou a morte com a sua querida e morreu, mas teve outro destino. Enquanto subia aos céus, Margarida ainda gritava ao seu querido: Henrique! Henrique! E assim finda o livro.
Qual a necessidade de engendrar Jó no meio disso tudo? Lembrei logo dele, quando soube da aposta. Mas o fim de Jó foi diferente, teve tudo o que era seu restituído. Por que então Fausto foi condenado? Porque Fausto era fraco.
É possível ainda ver certo orgulho em Jó, quando este insiste em sua inocência, mas a questão é muito outra: Fausto era só orgulhoso, como uma capa contra a suas faltas, enquanto Jó era verdadeiro em suas reivindicações e lamentos. Jó não era forte porque nasceu mais bem constituído, porque havia nele algo intrínseco, mas porque era cheio de temor de Deus. Enquanto Fausto, cheio de orgulho de si. Até o fim, Fausto foi orgulhoso e Jó implorou para ser respondido por Deus, com toda uma consciência de si, verdadeira e clara como o dia.
Margarida, mesmo que culpada, foi absolvida, porque soube arrepender-se e não mais quis saber da vida.
Eis tudo o que digo, porque conheço um Fausto e o bendigo.