Maria - Blog Pétalas de Liberdade 21/01/2015O livro de ficção, narrado em primeira pessoa, mais convincente que eu já li na minha vida! A história é narrada por Marina, uma jovem que morava com seus pais e o irmão mais novo, na cidade de Assunção, no Paraguai. Aos 18 anos, ela estava estudando de forma exaustiva para o vestibular, sua mãe pressionava-a excessivamente para que Marina entrasse numa faculdade. Depois de um período cansativo e desgastante de estudos, ela finalmente foi aprovada. As coisas pareciam estar indo bem: Marina estava fazendo Jornalismo (o curso com o qual sempre sonhou), tinha novos amigos e até arrumou um namorado.
"Seja como for, eu era feliz nesse pequeno inferno alegre que era minha vida banal de classe média. Eu ainda não tinha ataques ou crises de pânico. Eu ainda não havia visto minha vida virar de cabeça para baixo como vejo agora." (página 9)
Mas aí, veio o primeiro ataque de pânico. E depois vieram outros e mais outros. De uma hora para outra, Marina sentia um medo súbito, que ia aumentando até que ela não tivesse mais controle sobre si mesma, a sensação de que ia morrer era assustadora. Esses ataques foram acontecendo com mais e mais frequência, nos lugares menos "apropriados" possíveis.
"Eu sempre estava pensando no minuto seguinte, temendo algo que talvez nunca viesse a acontecer. E de fato, me lembrando dos últimos anos, quase nunca chegava a acontecer. Talvez eu fosse uma tola. Talvez houvesse algo errado comigo. E havia." (página 13)
Ela fez inúmeros exames, que apontaram que sua saúde física estava boa. A princípio, Marina não aceitava que sua doença pudesse estar relacionada à sua mente, a ideia de estar louca e o medo do que os outros iriam pensar a aterrorizavam. Mas, com o tempo e a intensidade dos ataques, ela decidiu procurar ajuda médica especializada. Foi aí que surgiu o seu diagnóstico: Síndrome do Pânico.
A Síndrome do Pânico atrapalhou a vida de Marina de forma tão devastadora, que ela perdeu o namorado, parou de frequentar as aulas, os amigos se afastaram, ela não conseguia sequer sair de casa, aliás, ela não conseguia dormir no próprio quarto. Só depois de anos de tratamento, Marina pôde ter sua vida de volta e finalmente encontrar sua felicidade.
"Não podendo viver para coisa alguma devido à síndrome, passei a viver apenas para vencê-la. E cada dia sem um piripaque já era uma vitória." (página 199)
A garota que tinha medo foi um livro que me conquistou aos poucos, de forma que, ao terminar a leitura, eu estava completamente ligada à história e aos personagens. Mesmo sendo ficção, a narração de Marina passa tanta veracidade, que é como se ela realmente existisse e estivesse contando sua luta contra a Síndrome do Pânico, na intenção de poder ajudar outras pessoas que também fossem portadoras dessa síndrome. Marina é uma personagem tão bem construída e tão "real", com tantas facetas, que A garota que tinha medo é o livro de ficção, narrado em primeira pessoa, mais convincente que eu já li na minha vida! Eu me identifiquei bastante com a personagem, com alguns de seus medos, com algumas de suas ideias, além do fato de ela também ter um blog literário, um blog que teve certa importância em sua recuperação.
"- Por que "Desde el 1987"? - perguntou Péqui uma vez.
- Por que a única certeza que tenho é a de que nasci e cá estou. De resto, sou toda insegurança, dúvidas e medo." (página 128)
Uma coisa que gosto muito em livros é encontrar outras formas de ver o mundo e a vida, Marina enxerga a religiosidade e a fé de uma forma diferente da que eu enxergava, e sabe falar bem sobre o assunto, abrindo minha cabeça para novas ideias. Ela passou pela fase da revolta, em que achava que Deus tinha se esquecido dela ou que a culpa pela sua doença era Dele, mas foi uma fase. Preciso deixar claro que o livro não tem apelo religioso, mas a religião e a fé fazem parte da vida de Marina.
A história ser ambientada no Paraguai foi outro ponto que me agradou, acho que nunca tinha lido um livro que se passasse lá. É um país sobre o qual quase nada sei, e Marina fala com paixão sobre sua terra. Pude conhecer um pouco mais sobre a cultura, a história, os lugares e a grande diversidade que há no Paraguai, e também conheci um pouco sobre a Argentina e o Uruguai, vi nossos vizinhos com outros olhos. (Vocês sabiam que além do Espanhol, no Paraguai se fala Guarani?)
O escritor Breno Melo entrou em contato comigo após ver minha resenha de Garota, interrompida, me perguntando se eu gostaria de ler e resenhar o livro dele. Pra quem não se lembra, em Garota, interrompida (Única Editora), Susanna Kaysen conta sobre os anos em que ficou internada em um hospital psiquiátrico. Fazendo um breve comparativo entre os dois livros: ambos são narrados em primeira pessoa, contam a vida de garotas jovens que precisam de tratamento para problemas psicológicos. Se eu tivesse que indicar um dos dois para vocês, indicaria A garota que tinha medo, mesmo tendo um excesso de didatismo em algumas partes (onde Marina discorre sobre seu tratamento, o que pode ser pouco interessante para leitores interessados em mais ação), ainda tem uma história mais bem construída e finalizada que Garota, interrompida, nós sabemos de onde Marina e os demais personagens vieram, o que eles viveram e para onde foram.
"Uma vez, Napoleão se encolhia e tremia de medo durante uma batalha. As explosões, medonhas, o assustavam. Até que alguém notou e disse: "Vejam como ele treme!" Napoleão respondeu: "Se você sentisse ao menos metade do pavor que sinto, já teria fugido há muito tempo. Mas eu continuo aqui."
Não é à toa que ele foi um grande homem, apesar de suas fraquezas ou limitações. Quem supera seus medos é mais corajoso que aquele que nunca os teve ou jamais os enfrentou." (página 204)
Sobre a parte visual: a capa é simples, mas tem sua beleza, as características físicas da garota da capa correspondem à Marina, gostei da fonte escolhida para o título do livro. A diagramação segue o padrão de outro livro da Chiado Editora que já resenhei no blog (Herdeiro da Névoa): margens, espaçamento e fonte de bom tamanho, páginas amareladas e grossas.
Enfim, "A garota que tinha medo" é um livro que recomendo, especialmente para quem gosta de protagonistas inteligentes ou procura saber um pouco mais sobre a Síndrome do Pânico. É aquele tipo de livro onde você sempre adquire algum conhecimento novo ao longo da leitura: seja sobre a Síndrome do Pânico, seja sobre o Jornalismo, seja sobre a América do Sul ou outros países.
Meu trecho favorito, onde vocês podem apreciar um pouco da boa escrita do Breno Melo:
"Ter ido à Alemanha equivaleu, para mim, a ter subido numa alta torre da qual pudesse avistar todos estes últimos anos que vivi. Dessa alta torre, vi pântanos que um dia estiveram lá, vi riachos, vi campos e vi flores. Isso não significa que os pântanos secaram espontaneamente, nem que os campos se tornaram jardins por obra do Acaso. O fato é que limpei os riachos, aterrei os pântanos e semeie os campos, até que estes me deram flores e me trouxeram alegria. Não pude controlar as chuvas e as secas, nem obrigar a Sorte a me favorecer, mas pude fazer a parte que me cabia, dando o melhor de mim. E comecei a notar que minhas pequenas ações influíam grandemente nos acontecimentos, obrigando a Sorte a me sorrir. Comecei fazendo o necessário, depois o possível, e de repente eu estava fazendo o impossível. Não deixei, obviamente, de erguer uma capela nesses campos que me pertencem e são a minha vida." (página 271)
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