Angélica 19/07/2011Pluto [Série Completa] Quando eu tinha uns 13 ou 14 anos estreou na TV aberta um anime chamado “Astro Boy”(“Tetsuwan Atom”, no original), que era uma nova versão de uma série mais antiga e de mesmo nome, baseada em um mangá escrito pelo “Deus do mangá” Osamu Tezuka. A história falava sobre Astro (Atom, na versão japonesa), um menino-robô que vivia em um mundo futurístico, onde humanos e máquinas conviviam em sociedade, partilhando direitos e deveres. Naoki Urasawa, premiado escritor de mangás de suspense, era fã da série, e foi a partir dela que decidiu criar o mangá “Pluto”.
“Então eu preciso conhecer Astro Boy para ler Pluto?”. Nada disso, caro leitor. O que Urasawa fez foi pegar o universo de Astro Boy e suas personagens, e transformá-lo de acordo com a sua visão, criando uma história fechada e única, que pode ser lida até mesmo por quem nunca acompanhou a história de Osamu Tezuka (como eu, por exemplo, rs). Se “Astro Boy” era uma história infantil de aventuras, “Pluto” passa longe deste gênero: a história é um thriller policial com jeito de filme “noir“, e discute muitas questões sociais e políticas dos nossos dias através da metáfora deste mundo futurista.
A trama tem início com o assassinato do robô Montblanc, um dos sete robôs mais poderosos do mundo. Logo ocorrem novos assassinatos que, ao que tudo indica, são obra de um mesmo autor. Para tentar prender este assassino serial a polícia européia designa o detetive da Europol Gesich, que além de ser ele mesmo um robô, também faz parte dos sete. A questão se complica ainda mais quando cientistas ligados aos robôs mortos também passam a ser visados pelo assassino que, ao que tudo indica, pode muito bem ser um robô – o que iria contra a lei robótica nº 13, implantada nos circuitos de todas as máquinas do planeta, e que diz que nenhum robô pode ferir ou matar um humano. Ao mesmo tempo em que investiga os assassinatos, Gesich tem que lidar com misteriosos sonhos que passaram a assombrá-lo. Eu confesso que comecei a ler esse mangá com um pé atrás, por causa dessa história de “assassinato” de robôs e tudo mais. Eu nunca fui muito fã de ficção científica, e achava que seria impossível mergulhar em uma história em que robôs são tratados como seres humanos. Mas o Naoki Urasawa é um dos meus autores preferidos, e eu decidi dar um voto de confiança. Comecei a leitura do primeiro volume meio a contragosto... E terminei me segurando para não chorar. Por causa de um robô.
A capacidade que Urasawa tem de humanizar seus personagens é incrível. Eu já a havia visto em “Monster” e “20th Century Boys” (títulos que eu recomendo muito, aliás), mas em “Pluto” ele realmente se superou. Não há como não simpatizar com os robôs, torcer e chorar por eles. E o autor, sabendo disso, aproveitou esse viés da história para fazer uma discussão muito legal sobre preconceito. De um lado, temos os humanos que se consideram como a “raça superior”, muitos inclusive achando que os robôs de alta tecnologia deveriam ser banidos da face da terra. De outro, temos estes mesmos robôs, capazes de sentir e pensar como humanos, e que desejam ser reconhecidos como cidadãos, e não apenas como instrumentos da humanidade. O mais legal deste embate é que o autor não favorece nenhum dos lados; ele nos mostra as razões tanto dos personagens pró quanto dos contra robôs, falando inclusive daqueles pequenos preconceitos que as minorias costumam sofrer das maiorias, mesmo que estas digam que as respeitam. Troque humanos por homens, brancos e héteros, robôs por mulheres, negros e gays: é claro o fato de que estes tipos de situação ainda são muito presentes em nosso dia a dia em seus mais diversos âmbitos, e eu realmente gostei do autor ter colocado estas questões em pauta nesta história.
Outro fator interessante é o modo como o mangá consegue sempre manter o suspense, fazendo com que você não consiga parar de ler até chegar ao final; só é possível desvendar todos os mistérios da trama quando se chega em seu fim. Mas é justamente o final o ponto fraco deste título: por mais que ele amarre bem todas as pontas soltas e seja sólido e convincente, eu achei que as coisas ficaram um pouco corridas. Se fossem acrescentas mais umas vinte páginas no último volume, com alguns flashbacks bem colocados (coisa que Naoki Urasawa sabe fazer muito bem) o problema teria sido resolvido. Mas é claro que as editoras japonesas trabalham com prazos e limites de páginas, o que dificulta bastante a tarefa do autor. Ah, e é bom preparar o lencinho: ao mesmo tempo em que o autor nos apresenta uma penca de personagens carismáticos, ele vai matando vários deles durante a história, sem se importar em pisotear os sentimentos do leitor, rss.
Por fim, recomendo o mangá a todos que gostam de uma boa história de suspense. O título já está completo (em 8 volumes) e, apesar de não ter sido publicado no Brasil, não é difícil achar scans dele por aí, ;-)