jmrainho 22/08/2014
O Ócio Criativo
Sextante, 2000
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Domênico de Masi
É um sociólogo italiano contemporâneo, famoso pelo seu conceito de "ócio criativo" segundo o qual o ócio, longe de ser negativo, é um fator que estimula a criatividade pessoal.1 Nasceu em Rotello, na província de Campobasso, no sul da Itália, no dia 1 de fevereiro de 1938. Professor de sociologia do trabalho na Universidade de Nápolis e Universidade de Roma (Wikipédia). Dirige na Itália a empresa S3.Studium; e dirigiu a escola com o mesmo nome, S3 Studium, escola de pós-graduação em ciências organizacionais, que fundou para compensar a falta de mestrados.A escola formou especialistas em pesquisa, consultoria, comunicação, organização de eventos, editoria. Atuava sem finalidade de lucro: os alunos pagavam um valor mínimo para cobrir as despesas, professores e tutores não eram pagos – estavam convencidos de que o ensino é um privilégio – e contribuíam ativamente nas despesas da instituição.
Domenico De Masi elaborou seu paradigma a partir do pensamento de mestres como Alexis de Tocqueville, Carl Marx, Frederick W. Taylor, Daniel Bell, André Gorz, Alain Touraine, Agnes Heller formulando conteúdos originais baseados sobretudo em pesquisas focadas no mundo do trabalho.
Veja sua biografia oficial em
http://www.domenicodemasi.it/pt/biografia/
Sua linha de pesquisa aborda questões do trabalho contemporâneo - com ênfase na sociedade pós-industrial - e a criatividade. Fez relativo sucesso em sua visita ao Brasil, foi consultor de algumas empresas sobre criatividade - fator competitivo que não pode ser aprendido em cursos banais, e é, segundo ele, um contrassenso as empresas contratarem pessoas medíocres, mas manipuláveis, e depois querer que se tornem criativas. Diz que a "produção de ideias necessita de autonomia e liberdade, mas as empresas estão cada vez mais burocratizadas". E sobre a injustiça nos desníveis salariais: "as distâncias culturais entre patrões e empregados é menor mas a diferença entre os salários é maior".
O trabalho intelectual requer motivação, mas é gerido principalmente com o controle.
No mundo do trabalho, é critico ferrenho do processo atual do capitalismo que desconsidera o capital humano criativo e prefere investir em máquinas e tecnologia e não em pessoas, origem da crise econômica atual e do grande número de desempregados.
Falando dos aspectos positivos do teletrabalho, diz que "o rendimento da atividade intelectual, não depende nem do tempo, nem do local de trabalho; mas mesmo assim as empresas ainda não conseguem se desestruturar". No futuro, segundo ele, trabalharemos mais por objetivos, por tarefas do que pagos pelo tempo.
Defende o que entendemos hoje como economia criativa, unindo trabalho, talento e prazer e que será o determinante nesta sociedade pós-industrial - apesar das forças econômicas, sociais e políticas, que ainda trabalham contra o profissional criativo e livre-pensante, considerado inimigo do estabilishment empresarial e político.
De Masi também critica as instituições autoritárias, que são as empresas, as igrejas, as instituições do terceiro setor, que não promovem a meritocracia e indicam líderes do ponto de vista de escolha pessoal de uma minoria autoritária. Essas instituições contaminam a democracia, pois queremos ser democráticos politicamente, em termos macro, e praticamos o autoritarismo e o monarquismo no ambiente micro, de nossas instituições.
Algumas necessidades emergentes, segundo ele: "Na sociedade industrial tornam-se imprescindíveis as necessidades relacionadas a racionalização e à eficiência, a especialização, à sincronia, à produtividade, à economia de escala, a organização hierárquica nas empresas, ao urbanismo, ao consumismo.Na sociedade pós-industrial, emergem valores como a intelectualização, a criatividade, a ética, a estética, a subjetividade, a emotividade, a androgenia, a desestruturação do tempo e do espaço, a virtualidade, a qualidade de vida. Às necessidades quantitativas de poder, dinheiro e sucesso, contrapõem-se outras de natureza qualitativa, ligadas à introspecção, à solidariedade, à amizade, ao amor, ao ludismo, à beleza, à sociabilidade".
O empresariado nacional e parte da grande imprensa burra, ao mesmo tempo acolheu e ironizou as propostas De Demasi, vide suas entrevistas na mídia, nas três excelentes entrevistas no Roda Viva, e outras entrevistas que podem ser lidas e vistas na internet e no youtube.
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TRECHOS
Para os gregos, por exemplo, tinha uma conotação estritamente física: "trabalho" era tudo aquilo que fazia suar, com exceção do esporte. Quem trabalhava, isto é, suava, ou era um escravo ou era um cidadão de segunda classe. As atividades não-físicas (a política, o estudo, a poesia, a filosofia) eram "ociosas", ou seja, expressões mensais, dignas somente dos cidadãos de primeira classe.
Poucos empresários deram valor a estética, como ROBERT OWEN (1771-1858, rico industrial inglês, um dos fundadores do socialismo utópico foi o primeiro a usar a palavra socialismo - e do COOPERATIVISMO. E Wiener Werkstaette, cooperativa vienense do início do século XX.
Para Aristóteles, tudo aquilo que servia à vida prática já tinha sido descoberto, valia mais usar a energia para outras coisas. Bacon inverte esse raciocínio e diz: "Chega de filosofia e poesia, é hora de dedicar-se ao progresso da vida cotidiana".
Os 300 mil escravos da Atenas de Péricles, que permitiram aos 40 mil homens livres escrever e dedicar-se à política, à arte.
Villarmé, em 1840, referia que naqueles tempos os escravos das Antilhas trabalhavam nove horas por dia, os condenados ao trabalho forçado nas instituições penais, dez, os operários de algumas indústrias, 16 horas por dia.
Depois dos gregos, os e iluministas são os maiores cultores do ócio criativo.
Somente Taylor, no ponto de vista prático, e Lafargue, no plano teórico, consideram o trabalho um mal que deve ser reduzido ao mínimo ou evitado.
A revolução social na América enraíza-se tão rapidamente porque existe uma minoria, a dos patrões, de quem está convencida de que quem possui fortuna neste mundo a merece, já que é esta a vontade de Deus.
O proletário, por sua vez, faz bem em contentar-se com o que tem, pois, diz o papa,"que abundeis em riqueza ou outros bens, chamados de bens de fortuna, ou que estejais privados deles, isto nada importa {A eternidade da beatitude: o uso do que fizerdes é o que interessa". João Paulo II afirma que as desigualdades não podem ser eliminadas, que a caridade precisa ser exercida pelos ricos e a paciência, pelos pobres. É o conceito do trabalho como sacrifício.
A reorganização informática, graças ao teletrabalho e ao comércio eletrônico, que trarão de volta o trabalho para dentro dos lares e, assim, nos obrigarão a rever toda a organização prática da nossa existência.
A fábrica sincronizada requer uma cidade sincronizada, para que todos estejam presentes na mesma hora, na própria linha de montagem (fábrica ou escritórios). Todo mundo quer chegar e sair na mesma hora.
A motivação que prevalece na micro e pequena empresa incrementa a criatividade, enquanto a burocracia da grande empresa, ao contrário, a sufoca.
A primeira transmissão televisiva se deu em Berlim, na noite de 22 de março de 1935. A TV nasceu como instrumento de consenso e de dominação.
Hitler e Mussolini usaram amplamente, além do rádio, o cinema de ficção e o documentário. Basta que nos lembremos de filmes como Scipione L'africano ou de documentários de LENI RIEFENSTAHL (ineasta alemã da era nazista, renomada por sua estética. Suas obras mais famosas são os filmes de propaganda que ela realizou para o Partido Nazista alemã. Faleceu em 2003). A potência da mídia foi intuída e aproveitada sobretudo pelos regimes autoritários e hierárquicos. A primeira estação radiofônica criada no mundo foi a do Vaticano.
Afirmar que "tudo depende de Deus" é uma explicação cômoda: não há nada que deva ser feito, pode-se cruzar os braços. Em muitas culturas, transforma-se em fatalismo. Tome por exemplo, as testemunhas de Jeová, que afirmam: "A saúde me vem de Deus, se ele quiser me salva, portanto não devo interferir com tratamentos nem transfusões".
No entanto, a história da humanidade é a história da intervenção humana na natureza para domá-la.
Nós tivemos, pela primeira vez, uma visão do planeta diferente daquela do ULISSES dantesco que ultrapassa as colunas de Hércules. Aquele Ulisses tinha a sensação de que, para além das colunas, abria-se o infinito. Enquanto nós, sabemos que a Terra é finita.
A questão e as exigências dos países ricos mudaram: antes precisavam de matéria-prima, agora necessitam de mão de obra e mercado para suas exportações.
Em 1992, o salário anual de um simples empregado de meio expediente da NIKE nos EUA era superior à soma dos salários de todas as moças da Indonésia que no mesmo período tinham trabalhado nas empresas fornecedoras da Nike americana. Nos últimos 20 anos, a Nike transferiu suas fábricas primeiro para a Coréia e Taiwan e, depois, quando os trabalhadores desses países começaram a se sindicalizar, para a China e para Tailândia.
A única coisa certa é que o primeiro mundo comprará, cada vez mais, o esforço humano do terceiro mundo e ainda pagará baixos salários por ele.
O americano Edward Luttwack, cunhou o termo turbocapitalismo
Mesmo para quem não joga na Bolsa foi inventada uma engrenagem igualmente aleatória e voraz para drenar o dinheiro das pequenas poupanças: a Loto, a Loteria Esportiva e uma gama inteira de jogos que servem de Bolsa de Valores dos pobres.
São os ricos que passam a considerar conveniente realizar reformas sociais abrangentes, desde que sejam eficazes na eliminação de movimentos revolucionários. Foi um aristocrata conservador alemão, Bismark, no século XIX, quem inventou a aposentadoria para os de idade avançada, além da previdência social. Foi o filho de um duque inglês, Winston Churchill, que, concebeu o primeiro grande sistema de assistência pública aos desempregados, em 1911. O presidente Franklin Roosevelt, quem idealizou o welfare state, que salvou o capitalismo do colapso.
Nos países capitalistas, quanto mais fracos são os partidos de esquerda, maiores chances tem de chegar ao governo.
Além disso os empresários investem cada vez menos e, quando o fazem, preferem jogar na Bolsa, comprar um robô ou abrir uma fábrica num país do terceiro mundo.
Quando um país se vangloria de ter criado novos empregos, deveria revelar também o número de empregos suprimidos no mesmo espaço de tempo.
Hoje, impulsionada pela maré liberal, em todos os países nos quais governa, a esquerda renunciou à batalha de tentar oferecer ao maior número possível de trabalhadores uma ocupação que seja digna por ser segura. Não obtendo a maioria das cadeiras parlamentares, ela é obrigada a solicitar o apoio da direita, que em contrapartida, obtém a cruel liquidação dos direitos adquiridos dos trabalhadores após anos de luta. Nunca a esquerda esteve tão fraca e ao mesmo tempo nunca ocupou tantos governos como agora.
Toffler fala da desmassificação da mídia. Um processo que a informática leva às últimas conseqüências.
Na sociedade pré-industrial, tudo aquilo que consumíamos era produzido por nós mesmos: o pão, o macarrão, os vestidos, tudo. Na sociedade industrial, o produtor se distingue do consumidor.
Desde O Choque do Futuro, Toffler tornou-se algo mais que um jornalista. Demonstrou possuir extraordinárias qualidades de sociólogo.
A humanidade pensou que sua própria sorte dependia primeiro do acaso (era o que pensavam gregos e romanos), depois da providência (é o caso da civilização cristã), e ainda depois da sustentabilidade da Terra e da possibilidade de dispor de matérias primas.
Touraine afirma que o coração desta sociedade é a informação, o tempo livre e a criatividade, não só científica, mas também estética.
Atualmente nós oferecemos gratuitamente nossa atenção. Esta, entretanto, é quantificada, avaliada em termos financeiros e paga por minuto pelas empresas, através das agências de publicidade às redes televisivas onde expõem sua propaganda. Resumindo, permitimos que nos roubem.
O tempo livre. Um grande filósofo russo, Alexandre Koyré, escreveu: “Não é do trabalho que nasce a civilização: ela nasce do tempo livre e do jogo”.
Quando nós trabalhamos, aprendemos e nos divertimos, tudo ao mesmo tempo. Por exemplo, é o que acontece comigo quando estou dando aula. É o que eu chamo de ócio criativo.
Calcula-se que, nos EUA, um cidadão moderno mude, em média, 16 vezes de casa durante a própria vida. Na Europa, esta média é de nove vezes.
A empresa, por sua própria natureza, é uma instituição total, onívora, que gostaria de absorver o trabalhador o tempo todo. Se pudesse, o faria dormir no emprego. É uma necessidade psicológica, semelhante à que liga a vítima ao seu carrasco. O chefe não consegue abrir mão dos empregados subordinados a ele, e estes, por sua vez, não conseguem abrir mão da subordinação no chefe.
Espalhou-se a convicção errada de que quanto mais tempo se passar no local de trabalho, mais se produzirá. Na minha opinião é exatamente o contrário: quanto menos se sai da empresa, quanto mais se permanece trancafiado lá dentro, como num aquário, de manhã à noite, menos se recebe estímulos criativos.
O teletrabalho nos levará a operar cada vez mais na própria casa. No futuro, seremos cada vez mais sedentários, no que diz respeito ao trabalho, e, cada vez mais nômades, no que concerne ao estudo, à cultura e ao lazer.
A maior exploração ainda diz respeito à matéria-prima. Quando a matéria-prima era o cobre, explorar significava comprá-lo a baixo custo. Se é o trabalho, significa pagar pouco pelos braços que se compram. Se são ideias, significa se apropriar dos frutos da criatividade dos outros ou ainda impedir que eles amadureçam.
Os peões digitais, que trabalham de dez a onze horas por dia, respondendo os emails dos clientes e recebendo um salário que varia de 10 a 13 dólares por hora (sobre a Amazon).
Uma parte de nosso tempo livre deve ser dedicada a nós mesmos, ao cuidado com o nosso corpo e com a nossa mente. Uma outra parte deve ser dedicada à família e aos amigos. Devemos dedicar uma terceira parte à coletividade, contribuindo para a sua organização civil e política. Cada cidadão deve dosar estas três partes em medida adequadas, de acordo com a sua vocação pessoal e sua situação concreta.
“A vida é, - dizia Oscar Wilde – o que acontece enquanto estamos pensando em outra coisa”.
A GLOBALIZAÇÃO provocou um colossal curto-circuito. Deveríamos ser mais informados, mas na verdade, somos mais desinformados.
Na maioria dos casos a empresa procura aniquilar, comercialmente, os próprios concorrentes.
Muitos trabalhos serão realizados por objetivo. A organização, com freqüência, tem a forma de rede. Uma rede de pequenas unidades, pequenas fábricas pequenos escritórios.
Além disso, hoje, as empresas são orientadas pelo mercado e, portanto, precisam que seus funcionários estejam imersos na sociedade, e não destacados dela. Há uma exigência maior de interdisciplinaridade.
Com efeito, relações físicas diretas com os colegas de escritório diminuem. Mas aquelas eram relações impostas e não por escolha. Desse modo, sobra mais tempo a ser passado com os verdadeiros amigos, os eleitos por mim.
Se trabalha com colegas que não fomos nós que escolhemos e que muitas vezes achamos antipáticos. A mesma coisa vale para os superiores e clientes.
Em muitas empresas reina um clima de indiferença ou suspeita recíprocas, quando não de medo.
Mas em geral o que acontece numa empresa é que uma pessoa é adulada quando tem poder e ignorada quando não tem mais sorte.
Um outro equívoco a ser dissipado: o teletrabalho não é de jeito nenhum um remédio contra o desemprego.
O teletrabalho pode resolver algumas alienações, mas criar outras. Não serei mais obrigado a dividir a sala comum colega antipático, digamos, mas serei obrigado a trabalhar mantendo contato em tempo integral com minha mulher, que pode também ter se tornado antipatia aos meus olhos.
Por flexibilidade os empresários entendem o que lhes é cômodo: poder demitir quantos e quando quiserem.
Quem faz sermão aos jovens para que não ambicionem um emprego fixo geralmente o possui e toma todo o cuidado para não o perder.
Precisam entender que o teletrabalho não é um trabalho doméstico, mesmo se feito em casa.
Apresenta procedimentos bastante decodificados no que diz respeito ao processo: o trabalhador pode cumprir sua tarefa de manhã ou de noite, na cozinha, no terraço, tanto faz, pois isso não interessa à empresa.
Não tem nada de milagroso.Também neste caso é preciso avaliar bem as vantagens e desvantagens para os trabalhadores, para os empregadores, para os sindicatos e para a sociedade em seu conjunto.
As desvantagens pode ser o isolamento, marginalização do contexto e da dinâmica da empresa (vale o provérbio o que os olhos não vêem o coração não sente, significando menores chances de carreira), o problema da reestruturação dos espaços dentro de casa, dos hábitos pessoais e das relações familiares (quem vai levar o filho para a escola?).
Pode ser que diminua o poder contratual: se é mais substituível, o trabalho poderá se tornar mais precário.
Querem manter os subalternos sob controle, pois, de fato, o teletrabalho este controle é bem mais difícil de ser exercido, seja em termos de relação pessoal, seja do ponto de vista do processo de trabalho. O controle só pode ser feito com o produto acabado.
Antes de mais nada, a maioria da população sempre viveu um outro contexto psicológico, no qual a separação entre vida de trabalho e vida doméstica era considerada um fator de promoção social. Até que esta geração, que passou a vida inteira, desde o nascimento, dentro da organização industrial, seja superada, será difícil acolher sem traumas a reordenação dos lugares da vida e do trabalho..
E há o masoquismo coletivo: nem sempre as pessoas desejam viver melhor e ser mais felizes.
Por milhares de anos, a aristrocracia social distinguia-se não pelo que fazia, mas pelo que não fazia. Quem pertencia a nobreza não devia trabalhar, para isso existiam os servos e empregados.
O trabalho pode ser um prazer se, justamente, for predominantemente intelectual, inteligente e livre. Um escultor pode esculpir durante horas sem se dar conta do tempo, um poeta pode poetar o dia inteiro, sem adormecer. No trabalho intelectual a motivação é tudo.
Edison, por exemplo, passou a noite de núpcias sozinho no laboratório onde trabalhava na invenção da lâmpada.
Os etólogos dizem que quando os peixinhos vermelhos, depois de passar meses num aquário, são liberados em pleno mar, continuam ainda por um certo tempo a nadar em círculos, como se estivessem dentro do aquário. Os seres humanos trabalharam por duzentos anos dentro de uma fábrica ou dentro de um escritório e agem como se ainda estivessem ali, não saem nem mesmo quando a parede de vidro não existe mais.
A empresa é um sistema que, com demasiada freqüência, produz infelicidade e medo. E desperta raiva ver que hoje em dia a infelicidade e medo poderiam ser eliminados e, em vez disso, continuam a existir sem motivo: não são mais úteis à produtividade, são nocivos.
Assim, toda vez que quero fazer com que uma regra da sociedade industrial sobreviva numa sociedade como a nossa, devo impô-la. Ou com alienação, ou com a força física ou ainda com a chantagem psicológica. E para fazer isso é preciso ter um desprezo quase total pela vida pessoal, afetiva e familiar dos empregados.
Como dizia Oscar Wilde: “Só os medíocres dão o melhor de si o tempo todo”.
Rimbaud escreveu seus últimos poemas quando tinha 21 anos e depois viveu até os 37, mas sem escrever mais nada. Rossini compôs 20 óperas nos seus primeiros 36 anos de vida e depois, até a morte, quando tinha 62 alunos, compôs só o Stabat Mater, uma missa e música de câmara. Ticiano, ao contrário, pintou a Batalha de Lepanto com mais de 92 anos de idade. Michelangelo projetou a cúpula de São Pedro com mais de 70 anos e esculpiu a Pieta Rondanini com quase 90 anos. Tomaso de Lampedusa escreveu O Leopardo, seu único romance, no final de sua vida.
Existem muitas obras de juventude feitas com poucos recursos, muito melhores do que obras posteriores, produzidas com excelentes condições financeiras. Francesco
Rosi (diretor de cinema italiano, La terra trema, Belissima e Senso), Lina Wertmuller (1926, cineasta italiana de origemna nobreza suíça), Hector Babenco, Glauber Rocha e o próprio Felini estrearam com obras-primas de baixo custo.
Temos o exemplo de muitos outros gênios criativos que produziram obras extraordinárias sob condições desastrosas, perseguidos por tiranos ou por credores, pressionados por quem lhes havia encomendado a obra, até encarcerados ou moribundos. Como Marquês de Sade, Mozart, Evariste Galois(1811-1832, morreu num duelo com a idade de 20 anos, criou um domínio novo da álgebra abstrata), Marx, ou Gransci.
A idéia que se tem o ócio como algo negativo. Uma das coerções era de tipo psicológico: consistia em enfatizar o preconceito de que gozar o ócio fosse um pecado. Quem é ocioso é ladrão, porque rouba o tempo de esforço no trabalho, seja do empregador, seja da sociedade.
Agatha Cristie contou que seu pai era um perfeito cavalheiro que passou a vida inteira sem fazer nada, vivendo na zona rural.
Eu acredito que os executivos de meia-idade seja, sob um certo aspecto, pessoas doentes. E o que é pior: a doença deles é contagiosa. Transmitem aos mais jovens um estilo de vida baseado no excesso de esforço, na subordinação, em vez da dignidade, e também uma gestão arcaica e opressiva dos tempos e dos espaços, recorrendo à chantagem psicológica: ou você se comporta desta maneira, ou não terá nunca uma boa carreira. Manipula as emoções e o afeto. A empresa como uma instituição total, como uma prisão ou um hospício.
O que acontece é que uma grande parte das energias vem sendo usadas na gestão desta ansiedade. De improviso se toma conhecimento de que dez, cem ou mil pessoas são excedentes e começa a loteria para saber quem será demitido. E aí começam as trapaças recíprocas, pólo salve-se quem puder da dizimação.
Imaginemos que, graças à tecnologia, uma única pessoa fosse capaz de produzir todo o PIB da Itália: seguindo a lógica das empresas, esta única pessoa deveria reter o trabalho e toda a riqueza derivada, deixando morrer de fome os outros 57 milhões de italianos.
É uma limpeza étnica. As empresas hoje estão sujeitas a contínuas comoções organizacionais: se fundem, terceirizam escritórios inteiros, vendem ou compram outras empresas. E as pessoas que trabalham nelas vivem à mercê desses terremotos.
As empresas por definição, são hierárquicas, piramidais e autoritárias: seus chefes não são eleitos pela base, mas nomeados pelo topo. E muitas vezes de fora.
Se passados séculos desde a descoberta da democracia, os Estados democráticos ainda funcionam pessimamente, é exatamente por eles, dentro de um invólucro igualitário, mantêm grupos como estes, que são geridos ditatorialmente.
Uma constituição que seja republicana no cérebro e ultramonárquica em todas as demais partes sempre me pareceu mais um monstro efêmero.
O novo presidente e os novos administradores delegados que chegam de fora, portadores de discórdia, muitas vezes são escolhidos até por uma minoria de acionistas que tem conexões com políticos, lobby, ou com os serviços secretos. Fre3quentemente são completamente incompetentes para aquele tipo de empresa.
Corre-se o risco de que o problema do desemprego coloque em segundo plano o problema de quem tem um emprego. A vida do trabalhador é transformada num inferno, porque as organizações das empresas se preocupam em multiplicar a quantidade de produtos, mas não dão a mínima para a felicidade de quem os produz.
O que fizeram os operários do início da era industrial? Tomaram consciência da exploração da qual eram vítimas, identificaram seus opositores, se agregaram, realizaram alianças e lutaram com coragem e sacrifício. Os trabalhadores intelectuais não pensam que pertencem a uma classe diferente da classe dos empregados. A formação escolástica que tiveram quanto a empresarial incultaram-lhes tolerância, maleabilidade e condescendência.
A identidade depende cada vez mais daquilo que aprendemos, da nossa formação, da nossa capacidade de produzir ideias, do nosso modo de viver o tempo livre, do nosso estilo e da nossa sensibilidade estética.
Os seres humanos viveram o ócio durante milênios: até mesmo um escravo de uma casa grega ou romana se cansava muito menos do que um torneiro mecânico na idade industrial. Os excessos de trabalho que Engels e Dickens descrevem nunca tinham acontecido antes, nem mesmo nos trabalhos forçados dos presidiários. Até um gladiador, no final das contas, vivia no ócio uma boa parte do tempo.
Foi a sociedade industrial que introduziu a lei da eficiência baseada na relação entre o trabalho e o tempo necessário para a sua execução, porque sua atividade era manufatureira e podia ser cronometrada.
Agora, pela primeira vez, a duração da vida aumenta e a duração do trabalho diminui.
A visão de mundo de MORAVIA sempre me pareceu excessivamente cínica, e a de SARTRE, fria demais. A eles sempre preferi ALBERT CAMUS, mais caloroso e cheio de generosidade – como esquecer O Mito de Sísifo, A Peste, O estrangeiro?
Aumenta o tempo que não é mais sujeito a uma obrigação, mas sim a uma escolha. Somos como o presidiário do filme de Tim Robbins (O Sonho da Liberdade), a liberdade inesperada pode nos encher de alegria ou nos atirar num buraco feito de pânico ou de tédio. Outro efeito possível: convertendo o tédio em ócio criativo.
SE MEUS CÁLCULOS ESTÃO CERTOS, É PROVÁVEL QUE EM 2015 cada trabalhador disporá, em média, de 30 mil horas de trabalho, contra as atuais 80 mil horas que ele atualmente desempenha entre os 20 e os 60 anos de idade.
Graças ao teletrabalho, muitos poderão começar a ser pagos segundo o resultado e não segundo o tempo.
Quanto à disponibilidade de tempo, todos serão “cavalheiros do século XIX”. Mas a questão é: serão cavalheiros a la Tocqueville, a la Oscar Wilde, a la Drácula, a la Ganopardo ou de que outro tipo? O tédio os levará a refugiar-se nas drogas ou a se realizarem através da violência? Ou serão movidos pela liberdade e inventando novos mundos vitais? O ócio será o pai de todos os vícios ou de uma virtude? Serão capazes de transformá-lo em ócio criativo? Matarão o tempo ou o valorizarão?
A forma piramidal das organizações sempre constituiu um incitamento a comportamentos ditados pela competição implacável, já que nos níveis superiores a oferta de cargos é sempre menor que nos inferiores: os que desejam subir devem acotovelar, passar rasteiras, armar ciladas para eliminar o adversário custe o que custar.
Quanto mais as pessoas são ricas, mais são cínicas e amedrontadas. Tem medo de perder os privilégios que, justamente, não merecem. Foi este o medo que serviu de base ao fascismo. Quem tem medo deseja um pai disposto a assumir a responsabilidade de todas as suas questões mais complicadas. Depois, acaba aceitando até as palmadas do papai.
Estar de posse do computador, do telefone, da máquina fotográfica e de um arquivo revoluciona as categorias mentais do tempo e do espaço. Quando eu preparava a minha tese de formatura, passei dias e dias na biblioteca, para copiar à mão alguns textos. Depois apareceu a fotocopiadora que mudou radicalmente a vida dos intelectuais, seu rendimento. A mesma coisa aconteceu com a chegada do microcomputador. Hoje posso preparar e escrever três artigos no tempo que antes levava para escrever um só.
O que é necessário ensinar aos jovens da sociedade pós-moderna? Não tanto as novidades já existentes, que logo se tornarão obsoletas, mas sobretudo os métodos para aprender a infinidade de coisas novas que estão por vir.
A criatividade para mim não é só ter ideias, mas saber realizá-las: é unir fantasia e concretude.
Michelangelo, por exemplo, não só soube inventar a cúpula de São Pedro, quando era já bem idoso, mas também soube convencer o papa a privilegiar a sua proposta, conseguiu que sua empresa fosse financiada, soube conduzi-la durante mais de 20 anos com tenacidade e inteligência, coordenando o trabalho de centenas de pedreiros, carpinteiros, escultores e fornecedores.
Não basta a mistura adequada de pessoas, é necessária uma liderança carismática, que saiba guiar o grupo na direção de metas compartilhadas por todos os integrantes, num clima de entusiasmo e de jogo.
Criatividade é, ao mesmo tempo, heteropoiese ( recriar material dos outros ) e autopoiese (capacidade de produzir a si próprio). Isto significa que adquiro materiais dos outros (heteropoiese), mas os reelaboro dentro da minha mente até chegar a uma visão nova (autopoiese).
Muitas empresas, depois de terem selecionados pessoas medíocres, pelo fato de serem dóceis e portanto manobráveis, e depois de terem sufocado todo e qualquer vislumbre de iniciativa por parte delas com um amontoado de procedimentos e controles, sentem agora a necessidade de revitalizar a criatividade e submetem essas mesmas criaturas a pseudoformadores, especialistas no assunto. É como se eu preferisse as mulheres louras, mas me casasse com uma morena e depois a obrigasse a ir ao cabeleireiro oxigenar os cabelos. Esses formadores de criatividade, quase sempre americanos e franceses, frequentemente desprovidos de qualquer fundamento científico, assim como do conhecimento do resultado de pesquisas sérias, submetem os alunos pagantes, ou melhor, bem pagantes, a exercícios psicofísicos fantásticos, uma salada feita de ioga, banalizada, e joguinhos de charadas, palavras cruzadas e por aí vai. Desconfio instintivamente de todas essas técnicas istriônicas (fala de forma muito impressionista e carente de detalhes, é teatral demais) que sabe-se lá onde vão dar e que transformam a criatividade, ou seja, a expressão mais misteriosa e preciosa da espécie humana, numa espécie de gincana.
Educar o jovem ou um executivo para a criatividade hoje significa ajudá-lo a identificar sua vocação autêntica, ensiná-lo a escolher parceiros adequados, a encontrar ou criar um contexto mais propício à criatividade, a descobrir formas de explorar os vários aspectos do problema que o preocupa, de fazer com que sua mente fique relaxada e de como estimulá-la até que ela dê à luz uma ideia justa. Sobretudo significa educá-lo para não temer o fluir incessante das inovações. É na mudança que as coisas repousam, já dizia Heráclito.
Nos mitos Greco-romanos, qualquer herói que tenta introduzir uma inovação é punido severamente: lembremos os castigos que sofreram Ícaro, Prometeu, Sísifo e Ulisses.
Ítalo Calvino: “Prefiro entregar-me à linha reta, com a esperança de que ela prossiga ao infinito e me torne inalcançável. Prefiro calcular demoradamente a minha trajetória de fuga, esperando poder me lançar como uma flecha e desaparecer no horizonte. Ou ainda, se muitos obstáculos barrarem o meu caminho, calcular a série de segmentos retilíneos que me conduzam para fora do labirinto no tempo mais breve possível”.
Porém, este universo da precisão que coincide com a sociedade industrial é um universo rígido, programado, linear, matematizado, na qual a abundância afluente de produtos estandartizados é produto do trabalho criativo de uma elite restrita de engenheiros e do trabalho mecânico de uma massa sem fim de executores.
Em A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen, de Eugen Herrigel, a introdução, escrita por Daisetz Teitaro Suzuki (1870-1966, famoso autor japonês de livros sobre Budismo, Zen e Jodo Shinshu, responsável, em grande parte, pela introdução destas filosofias no ocidente, flertou com o nazismo e anti-semitismo) lê-se que “para ser verdadeiramente um mestre no tiro ao arco, o conhecimento técnico não basta. A técnica deve ser superada, de forma que o aprendido se torne uma arte desaprendida, que surge do inconsciente”. A perfeita condição mental que leva a acertar infalivelmente o alvo só pode ser atingida se o atirador não tiver mais consciência de ser um atirador e de ter um alvo a atingir. “Mas ele só atinge esta condição de inconsciência se for perfeitamente livre e desapegado de si, se compuser uma unidade com a perfeição da sua habilidade técnica... O homem é um ser pensante, mas as suas grandes obras se realizam quando ele não calcula, nem pensa.”
Herrigel, descrevendo minuciosamente as etapas através das quais o mestre o conduz à perfeição, demonstra como só um longo exercício, cansativo até a exaustão, permite introjetar a técnica e obter um absoluto domínio das formas para atingir, finalmente, aquele estágio supremo no qual a fase racional é superada e a mobilidade originária não mais é atrapalhada pela necessidade de refletir. Só então “os preparativos e a obra, o ofício e a arte, o material e o espiritual, o subjetivo e o objetivo se trespassam sem descontinuidade entre eles”.
“A ética do trabalho é a ética dos escravos e o mundo moderno não precisa de escravos” (Bertrand Russell)
“Homem que trabalha perde um tempo precioso”, diz um provérbio espanhol.
Quanto ao passado, antes que chegasse a indústria, os aristocratas não trabalhavam de jeito algum e todos os demais, inclusive os escravos, trabalhavam muito menos que os trabalhadores de hoje.
No século XVIII chegou a indústria e com ela os problemas. Nas fábricas o expediente de trabalho logo superou as 15 horas diárias, os ritmos se tornaram infernais e o controle de tipo militar. Em 1802 o governo inglês teve que intervir com uma lei “humanitária” para impedir que as crianças trabalhassem mais de 12 horas por dia. Em 1880 Paul Lafargue (revolucionário jornalista socialista francês, escritor e ativista político; Ele foi genro de Karl Marx, casando-se com sua segunda filha Laura. Seu mais conhecido trabalho foi O Direito à Preguiça, publicado no jornal socialista L'Égalité. Nascido em Santiago de Cuba de família Franco-Caribenha, Lafargue passou a maior parte de sua vida na França, e um período na Inglaterra e Espanha. Aos 69 anos de idade ele e Laura morreram juntos em um pacto de suicídio. ) escrevia: “As fábricas modernas tornaram-se reformatórios ideais nos quais são encarceradas as massas operárias e são condenados aos trabalhos forçados, por 12, 14 horas diárias, não só os homens, mas também mulheres e crianças”. E adicionava que não poderia ter sido inventado “um vício que embrutece mais a inteligência das crianças, que corrompe mais os instintos delas, que destruísse mais os seus organismos, do que o trabalho naquela atmosfera viciada da fábrica capitalista”.
A filosofia do ócio incultada pela religião e a filosofia da eficiência incultada pela indústria divulgaram a idéia negativa a respeito do ócio.
Além de considerar medíocres e falidos todos os que ousam preterir a luta pelo luxo e pelo poder, privilegiando os afetos e as alegrias familiares, pessoais ou com os amigos.
O trabalho oferece sobretudo a possibilidade de ganhar dinheiro, prestígio e poder. O tempo livre oferece sobretudo a possibilidade de introspecção, de jogo, de convívio, de amizade, de amor e de aventura. Não se entende por que o prazer ligado ao trabalho deveria acabar com a alegria do tempo livre.
No exército de veranistas pode-se distinguir duas fileiras. A que dá mais na vista se caracteriza pela cultura do consumismo, da ostentação, do culto aos ídolos ou estrelas do mundo do espetáculo: milhões de pessoas que consideram fúnebre tudo o que não seja invasivo, barulhento, cheio de confusão e de pressa. Essa massa, obcecada pela mania de ver e de ser vista, vai em busca de fast food, megadiscotecas, relacionamentos despersonalizados, viagens por agentes de turismo, ou ainda internações em hotéis-fazendas, clubes ou spas, onde cada minuto do dia é programado, em função do consumo, como o setor de uma fábrica é programado em função da produção. Outra fileira, mais exígua e mais sábia, cunha as próprias férias com a cultura do repouso, da leitura e da privacidade: considera um inferno tudo o que não seja silêncio, ordem, calma, beleza e limpeza. Este grupo, culturalmente elitista, procura ambientes amenos, entretenimentos variados e refinados, a possibilidade de resguardar sua privacidade sem sofrer a invasão dos outros, é atenta aos detalhes e busca relacionamentos personalizados.
“A ideia de que o pobre possa gozar de ócio – disse Russel – sempre incomodou o rico”
A escolha de uma faculdade universitária que prepara para a vida é mais sábia do que a escolha de uma faculdade que prepara para a profissão. O que conta não é o estresse da carreira, mas a serenidade da sabedoria.
Educar para ócio significa ensinar a escolher um filme, uma peça de teatro, um livro. Ensinar como pode estar bem sozinho, consigo mesmo, significa também habituar-se com as atividades domésticas e com a produção autônoma de muitas coisas que até o momento comprávamos prontas. Ensinar o gosto e a alegria das coisas belas. Incultar a alegria.
Significa educar para a solidão e para a companhia, para a solidariedade e para o voluntariado. Significa ensinar como se evita a alienação que pode ser provocada pelo tempo vago, tão perigosa quanto a alienação derivada do trabalho.
Educar significa enriquecer as coisas de significado, como dizia Dewey.
Não se trata de auspiciar o melhor dos mundos possíveis, mas, muito realisticamente, o melhor dos mundos realizados até agora. Onde as operações tediosas, cansativas e perigosas sejam desempenhadas pelas máquinas e a riqueza por elas produzida seja distribuída com base num princípio de solidariedade e não de competitividade. Onde o tempo livre seja resgatado da banalidade, do consumismo e da violência, em que a cultura no seu conjunto, e não só a economia, guie o agir social.
É uma utopia? Sou um sociólogo e a Sociologia, como dizia o casal Lynd, tem a tarefa de ser questionadora, de desencavar as contradições do mundo atual e de indicar os novos caminhos para que se construa um melhor.
No livro A Ditadura do Capitalismo, Edward Luttwack, respeitável expressão do establishment americano, nos descreve alguns aspectos e tendências nada idílicas, que dizem respeito a este modelo: “Os trabalhadores dispostos a aceitar a mobilidade para baixo ocuparam todas as posições empregatícias tradicionalmente destinadas ao subproletariado, cujos desempregados constituem, por sua vez, o grosso da população carcerária estadunidense, igual a um milhão e oitocentos mil detentos. Se a isso se somam os três milhões e setecentos mil indivíduos em liberdade condicional, à espera de julgamento, o total de sujeitos penalmente incriminados nos EUA é igual a cinco milhões e meio de pessoas, isto é, 2,8% da população do país, o dobro em relação a 1980, na aurora do turbocapitalismo”.
É isso, eu rejeitei no passado o modelo proposto pelo comunismo porque era opressor e incapaz de criar riqueza. E rejeito hoje o modelo proposto pelo capitalismo porque é alienante e incapaz de distribuir a riqueza que cria. Rejeito também a assim chamada TERCEIRA VIA, criada por GIDENS e por TONY BLAIR (ex-primeiro ministro britânico), porque nada mais é do que um capitalismo disfarçado de social-democracia (e também de neoliberalismo). Não sendo religioso, rejeito enfim também a terceira via proposta por João Paulo II, porque implica compartilhar dogmas que não aceito.
Apesar de anacrônico, se desejamos um modelo, este é ainda o da Atenas de Péricles, onde o ócio criativo incluía equilíbrio e beleza. Para Platão, as principais matérias a serem ensinadas aos jovens eram sobretudo ginástica, que harmonizava o corpo, e música, que harmonizava o espírito. Aristóteles adicionava a gramática e o desenho, e em seu tratado sobre Política recomendava: “A guerra deve ser em função da paz, a atividade em função do ócio, as coisas necessárias e úteis em função das coisas belas…”
Segundo Hanz Magnus EINZENSBERGER (1929, é um poeta, ensaísta, tradutor e editor alemão. É também escritor sob o pseudônimo de Andreas Thalmayr, Linda Quilt, Elisabeth Ambras e Serenus M. Brezengang) seis coisas serão escassas: o tempo, a autonomia, o espaço, a tranqüilidade, o silêncio, o ambiente ecologicamente sustentável. A estes bens cada vez mais “luxuosos” eu somaria também a convivialidade e a beleza.
O trabalho é uma profissão, o ócio é uma arte. Portanto, os escravos do trabalho, aqueles que pararam de pensar, de amar e de jogar para se dedicarem totalmente à carreira, sutilmente invejam e tenazmente combatem os “mestres da vida” que sabem usufruir do ócio e amam apagar a distinção entre arte e vida, como diria John Cage (1912-1992, foi um compositor, teórico musical, escritor, admirador anarquista e artista dos Estados Unidos. Cage foi um pioneiro da música aleatória, da música eletroacústica, do uso de instrumentos não convencionais.
OSCAR NIEMAYER que dedicou 92 anos da sua vida à arquitetura, escreveu na parede do seu estúdio uma linda frase: “Mais do que a arquitetura, contam os amigos, a vida e este mundo injusto que devemos resgatar”.
Quando eu trabalho, meu comportamento é ético se evito resultados vantajosos para mim e prejudiciais para os outros.
Naquele bonito conto de BORGES, quando o discípulo pergunta se o paraíso existe, o mestre PARACELSO responde dizendo que tem certeza de que o paraíso existe: e é nesta terra. Mas o inferno também existe: em não se dar conta de que vivemos num paraíso.
LIVROS CITADOS:
Crítica da Modernidade, de Alain Touraine
Cultura da Modernidade, de David Harvey
O Advento da Sociedade Pós-Industrial, Daniel Bell
Turbocapitalismo – Perdedores e Ganhadores na Economia Globalizada, de Edward Luttwack
A Terceira Onda, de Alvin Toffler
O Choque do Futuro, de Alvin Toffler
Ser Digital. Nicolas Negroponte
O Presente é o Porvir, de Zsuzsa Hegedus – húngara, aluna de Lukács
O Elogio do Ócio, de Bertrand Russel
O Direito ao Ócio, de Paul Lefargue (genro de Marx)
A Economia do Ócio, de Domenico de Masi
Um sonho de liberdade (filme), com Tim Robbins
O Mito de Sísifo, Abert Camus
A Peste, Abert Camus
O Estrangeiro, Abert Camus
Do Mundo da Aproximação ao Universo da Precisão, Alexandre Kouré, filósofo grego, 1948
A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen, de Eugen Herrigel
A Ditadura do Capitalismo, de Edward N. Luttwack
O Debate Global da Terceira Via, Antony Giddens (org.) Unesp, 2007
A Crise da Consciência Europeia, de Paul Hazard.
Defendendo os Lobos, poemas, 1957, de Hans Magnus Enzensberger