tarsila 06/04/2019
Estou há meses pensando em escrever esta resenha. Há livros que ficam na nossa mente, mesmo depois que outros são lidos, como o cheiro de cigarro que se impregna na trama da roupa mesmo depois de outros perfumes se misturarem... mas o quão difícil é descrever o cheiro que não conseguimos esquecer? A Casa Verde foi o livro mais impactante e inesquecível que li em 2018 - ainda que não tenha sido o mais importante, o mais longo, o primeiro ou o último. Sequer figura entre os três mais dramáticos do ano passado...
Acontece que A Casa Verde é um dos livros que lembrarei para o resto da minha vida. Tento explicar sem spoilers, mesmo sabendo que com isso corro o risco de soar vaga demais. Vamos lá: A Casa Verde se passa no Peru Amazônico, durante a primeira guerra mundial. Por motivos geográficos, evidentemente não lemos sobre o drama dos soldados, as mulheres que aguardam em casa, as vítimas de bombardeios... somos apresentados a uma história perene, muito mais crônica e insidiosa, indiferente à guerra ou à paz: a história da América. As cicatrizes que carregamos, ainda que estejamos situados 400 anos após a colonização espanhola: a pobreza, a desigualdade, a multiplicidade de raças (em todos os sentidos que isso possa existir), os povos dizimados, conquistadores e conquistados, e uma solidão e uma brutalidade que não distingue raça ou classe. Vemos o drama dos povos aniquilados e o drama dos que permaneceram. A tristeza dos colonizados e o desespero dos que resistiram. A narrativa de Vargas Llosa é tão nua quanto a de outras autoras que li em 2018 e que tão cruamente falam sobre guerra e paz: Chimamanda Adichie e Svetlana Aleksievitch. Curiosamente, são três autores que desnudam a história do país de onde vieram, nos mostrando histórias que talvez preferíssemos que permanecessem enterradas.
Sobretudo - e é estranho falar isso sobre um livro escrito há décadas por um homem abertamente de direita, ainda que minha compatibilidade política com Vargas Llosa se aproxime dos 100% - esse é um livro... feminista, por falta de palavra melhor. Não no sentido político ou social da palavra, mas porque talvez tenha se inspirado nas Brumas de Marion Zimmer Bradley quando conta, do ponto de vista das mulheres, uma história feita e decidida por homens. Há muitos personagens em A Casa Verde, e é verdade que mulheres são a minoria dos protagonistas (ao contrário do que acontece em Brumas de Avalon), mas a crueza com que Vargas Llosa descreve como mulheres foram moedas de troca na conquista da América nos faz ver uma parte da história que nos acostumamos a nunca enxergar. Desconheço autor que tenha exposto isso de forma tão crua e real, quase palpável.
A leitura não é fácil - e porque sou o tipo de pessoa que não gosta sequer de sinopses que falam demais, não vou descrever a estrutura peculiar do livro. Foi uma leitura difícil em vários sentidos, mas que não consigo recomendar o suficiente. A Casa Verde não é o tipo de livro que irá agradar a todos - mas conta uma história que todos devíamos conhecer.