KatAudaz 14/02/2024
Antigo, mas ainda vale o tempo gasto dos pais - mas a leitura precisa ser crítica
Esta é uma resenha que escrevi para uma Guildas do aplicativo Habitica em 2022, como parte de desafios de leitura. O Habitica é um aplicativo de gamificação de tarefas e hábitos, e foi o responsável por eu retomar o hábito de leitura pra valer após anos lendo apenas esporadicamente. O aplicativo na época tinha um espaço para a formação de grupos unidos por afinidades, chamados Guildas, que podiam lançar desafios (coisas como aumentar a quantidade de água que você bebe por dia, fazer exercícios, ler livros etc.).
Aqui vai a resenha:
Criando Meninos: para pais e mães de verdade - Steve Biddulph
Quando minha esposa engravidou, começamos imediatamente a ganhar de amigos, parentes e colegas de trabalho livros sobre cuidados com bebês, educação de crianças, alimentação infantil e puericultura em geral. As pessoas nos doaram bibliotecas completas, em especial livros sobre os cuidados com bebês pequenos, que já tinham superado a utilidade com o crescimento dos filhos dos doadores. Além disso, tanto eu como minha esposa começamos a frequentar as seções de cuidados com crianças das livrarias, e a comprar livros recomendados por youtubers, blogueiras e matérias jornalísticas. Sem exagero, devemos ter, entre presentes, doações e compras, mais de vinte livros sobre educação de crianças.
Claro que não deu para ler tudo. Muitos, talvez a maioria, deve ter "perdido a validade" sem leitura, isto é, se dirigia a um momento específico, ou a um problema específico. Meu filho tem três anos agora, e uma meia dúzia de livros voltados para cuidados da gravidez aos dois anos, volumes lindamente ilustrados de capa dura, ficaram na estante sem serem lidos. Outros, como "Nana Nenê" do Eduard Estivill lidavam com problemas que nunca tivemos - meu filho dorme conosco na nossa cama desde sempre e graças aos céus, tirando uma ou outra virose que o tenha deixado com uma tosse persistente, nunca teve problemas para dormir, embora vez ou outra me presenteie com um chute na cara no meio da noite por sua mania de dormir "de valete". Concentrei a leitura naqueles que me pareciam os melhores títulos. Besame Mucho, do pediatra Cárlos González, foi até hoje a minha melhor leitura: a aproximação tranquila, em certa medida multicultural, e bem crítica da questão da criação de crianças impediu que eu caísse vítima de certos modismos. O Grande Livro do Bebê, da dra. Tatiane Mahet, um tijolinho de 573 páginas de explicações e dicas bem diretas sobre os problemas enfrentados na gravidez e na criação de bebês até os dois anos, foi uma grande referência, em que marquei várias páginas com post-it de tanto que voltava para elas, como o capítulo de dez páginas sobre como identificar o motivo do choro do bebê.
Um dos livros que compramos foi Criando Meninos, do psicólogo australiano Steve Biddulph. Duas décadas atrás, uma amiga da minha esposa foi a primeira a engravidar da turma dela, e teve justamente um menino. Minha esposa, para quem na época criar um menino parecia algo como criar um marciano, achou que a amiga precisaria de uma obra de referência especializada, e comprou o Criando Meninos, na primeira edição na época. Bem, quase vinte anos depois, quando chegou a vez de a minha esposa criar o marciano dela, ela lembrou do livro quando o viu numa visita a uma livraria, e o comprou. Como a amiga que leu primeiro achou o livro útil, estou considerando esse "um livro que me recomendaram".
Bem, o Criando Meninos foi uma boa leitura, mas, como eu já escrevi numa outra mensagem aqui, é um livro que precisa ser lido com algum cuidado, pois já tem vinte anos desde a primeira edição e não me parece que as edições posteriores foram bem atualizadas. A edição que eu li é de 2014, e tem apenas três páginas sobre celulares e internet, e apenas para falar de pornografia on-line. Nada sobre o bullying digital, nada sobre o excesso de tempo diante das telas. Pela época em que foi escrito, há também um certo sexismo "de fundo" que permeia o livro. Três páginas são gastas para convencer os pais que meninos precisam participar dos serviços domésticos, e um dos argumentos é de que "a mulher (ou homem) a quem ele (seu filho) se ligar neste mundo pós-moderno pode não estar disposta(o) a servir de criada(o) para ele". Uma página é gasta para falar de transexualidade, apenas para o autor reconhecer que não entende do assunto, tranquilizar os pais de que provavelmente se trata de uma fase, e recomendar a leitura de uma autora que fez um estudo em 1996, mas que, pelo que pesquisei, não voltou ao tema em tempos recentes. Pelo menos nas duas páginas que dedica ao homossexualismo me parece que, apesar de usar o termo opção, a conclusão me parece boa: "Se essa é a opção de seu filho, é bom se desarmar e procurar aprender ao máximo. O mais difícil de ser pai de um homossexual é o isolamento, pois ele se sente diferente dos outros pais. A melhor coisa a fazer é conversar com outros na mesma situação. Um filho homossexual pode levar você a um mundo de gente interessante e maravilhosa!" E, por fim, é um livro escrito por um autor australiano para uma realidade de países desenvolvidos. Nem tudo consegue ser transportado para a realidade brasileira.
Feitos esses alertas, o livro tem sim boas lições a ensinar, e, com uma leitura crítica, pode ser bem útil. Foi bom ler essa frase, que confirma o que eu já desconfiava faz tempo: "essa história de 'tempo de qualidade' é um mito". O autor fala com todas as letras, e traz bons argumentos para nos convencer disso, que para ser pai é preciso dedicar tempo para estar com seu filho e prestar atenção nele. Muito tempo. No mínimo, TODOS os seus fins-de-semana e TODOS os seus feriados. Ele também é bastante claro, e bastante razoável, sobre os papéis e o comportamento que um homem deve ter no dia de hoje - para só depois depois dizer como devemos ensinar os meninos para assumir esses papéis e seguir essas regras de comportamento. E, muito importante: reconhecendo que há sim diferenças relevantes entre homens e mulheres, que não são apenas culturais, e que refletem sim em diferenças de abordagem na criação de crianças de um ou outro sexo.
Tudo isso em 168 páginas, com uma linguagem bem clara, com exemplos, e quadros-resumo no final dos capítulos, como convém a uma obra que pretende ser um guia.
Mais importante que tudo: estou aplicando o que li na criação do meu livro, e está funcionando, em especial as lições de estimular a comunicação, falar sobre os próprios sentimentos, ajudando a criança a reconhecer seus próprios, e a consciência de que crianças possuem músculos que pedem para serem movimentados.
Talvez existam livros melhores sobre criação de filhos. Ainda vou ver o que encontro de bom na minha pilha de livros do assunto. Mas acho que o tempo investido em "Criando Meninos" foi bem investido.