Danilo Andrade 10/09/2024"Ai de mim!"Para quem já observou alguns dos tantos retratos de Voltaire, encontrados facilmente em qualquer mecanismo de pesquisa, percebe a aura de seu espírito escarnecedor, acentuado por uma espécie de sorriso "permanente" no canto de seus lábios. E quando lemos seus textos, é patente a acuidade de sua perspicácia.
Em "Cândido, ou o otimismo", Voltaire faz uso da troça, para com uma visão que vinha se alastrando nos círculos filosóficos pela Europa através do brilhante matemático Leibniz (embora sua filosofia seja plenamente discutível), nomeada como "Otimismo", uma espécie de estrutura filosófica na qual se acredita que "vivemos no melhor dos mundos", uma vez que fomos criados por um Ser superior de todo bom, logo, tudo se dá da melhor maneira possível. Sendo assim, Voltaire não economiza em argumentos e exemplos para combater essa ideia no mínimo "ingênua".
Dispenso aqui a descrição de sua sinopse, aliás, de fácil acesso, mas devo citar que os argumentos de Voltaire, junto de seus exemplos e conhecimento enciclopédico, são deliciosas de acompanhar. É inevitável perceber, que tal discurso filosófico, busca legitimar as inúmeras atrocidades imperialistas em busca do "progresso", oculta na imagem de bom mocismo, seu desejo por perpetuar seus privilégios, aqui exemplificados com situações tão picarescas e indigestas, que não dá pra dizer de forma alguma que "as coisas vão bem, como deve ser". Em meio ao terremoto que atingiu Portugal em 1755, à guerra dos sete anos envolvendo boa parte da Europa, escravidão, a corrida insana por mais e mais e mais, mesmo que sejam necessários tonéis de sangue negro e feminino se esvaindo sobre a terra, vemos como é óbvio o esfacelamento do Otimismo, bem exemplificado quando Cândido chega no Suriname, e avista um escravo sem uma perna e um braço, e pergunta porque o mesmo se encontra nesta situação, e o escravo diz: "Quando tentamos fugir, a nossa perna é cortada. É por este preço que vocês comem açúcar na Europa"... é no mínimo contundente.
A sátira se assemelha à uma dança sensual, vertiginosa, que hipnotiza e desorienta o Otimista, quando ao fim da dança, o mesmo se vê sem calças sendo ridicularizado em público. É notável que soa de uma frívola presunção, extrapolar particularidades como sendo "regra" para toda a realidade, e Voltaire cria uma delícia de livro para esfregar verdades em nossas faces.