Priscilla 03/07/2024
Excelente
Livro maravilhoso, divertido, engraçado, sarcástico, irônico, com um ritmo muito rápido e super fácil de ler. Tive que parar a leitura algumas vezes para não acabar tão rápido porque estava gostando muito e queria fazer durar mais.
A história é contada em capítulos que parecem de novela, filme ou seriado, um acaba e já deixa a curiosidade para lermos o próximo. O título de cada capítulo é longo, como um resumo do que vai acontecer mas sem adiantar o conteúdo, o que atiça a curiosidade.
Voltaire tem uma linguagem simples, irônica e muito crítica. O livro foi escrito para criticar a teoria filosófica de Leibniz, que defendia um otimismo irrestrito ao discorrer sobre a origem do mal no mundo, partindo do pressuposto que Deus é onipresente, onisciente e benevolente, então como se explicaria a existência do mal? Para Leibniz, estamos no melhor dos mundos possíveis e, portanto, mesmo o mal vem sempre para o bem, pois Deus faz tudo de melhor para nós. Voltaire critica essa visão, pois ela tem uma tendência de consolidar o status quo e evitar mudanças, revoltas, discordâncias. Se tudo está bem assim, na melhor situação possível, então não tem porquê agirmos de maneira diferente; não tem porquê lutarmos para mudar o sistema vigente, mesmo sendo tão desigual e violento. Se Deus quis assim, então assim deve ser e não devemos agir para mudar isso.
E a sagacidade e inteligência de Voltaire está em criticar essa filosofia de maneira muito leve e acessível a todos, por meio de uma historinha de 100 páginas e de muito fácil leitura, em que todo tipo de desgraça e crueldade acontece com o protagonista, Cândido, e mesmo assim ele acredita que está "no melhor dos mundos possíveis", pois assim ele foi doutrina desde criança pelo mestre Pangloss no castelo em que vivia. A série de desventuras que ele vive vai fazer com que comece a questionar esse entendimento, pois presencia todo tipo de iniquidade que acontece a todos a sua volta, como p.ex. os horrores da guerra, a crueldade humana sem sentido, a hipocrisia da igreja católica e seus autos de fé, os desastres naturais, como o terremoto de Lisboa no séc. XVIII, a tirania da nobreza, etc. Voltaire faz críticas a todas as instâncias: nobreza, clero, igreja, religião, política, etc.
Ao final, termina com a idéia de que não adianta ficar apenas teorizando abstratamente sobre a vida, como faziam os filósofos, mas que é necessário se voltar para a simplicidade da vida concreta, do cotidiano, trabalhar para produzir os bens que serão usados no dia-a-dia, sem pretensão de riqueza nem de ócio, vivendo uma vida simples e "cultivando o próprio jardim".
Ao ouvir diversas resenhas a respeito, me vêm o pensamento de que a ideia de que tudo que acontece na vida está de acordo com a vontade divina universal, que tudo está do jeito que deve ser, que tudo acontece por uma razão, por um propósito que iremos descobrir depois, ainda está muitíssimo presente na minha vida e na sociedade como um todo. E é um pensamento que traz um alívio para as angústias da vida, que traz calmaria e fé no futuro, ainda que desconhecido e incerto. Então talvez eu seja uma pessoa otimista (desculpa, Voltaire). A questão, na verdade, parece ser evitar os extremos. Tanto o extremo do otimismo, representado por Pangloss, como o extremo do pessimismo, representando por Martinho, no livro. Segundo Ariano Suassuna, "eu prefiro ser um realista esperançoso".
A questão filosófica e religiosa sobre a origem do mal também é algo muito interessante. Nos tempos em que havia o politeísmo, os deuses eram bons e maus ao mesmo tempo, p.ex. deuses gregos e romanos, Zeus, Afrodite, etc, praticavam ações boas e ruins e inclusive altamente questionáveis e muitas vezes maléficas, como incesto, estupro, morte, vingança. E assim a origem do mal estava nos próprios deuses, que eram parecidos com o humanos em razão dessa complexidade. Mas a partir da crença no Deus cristão, que é somente bom, e sendo o Mal personificado na figura do Diabo, fica difícil explicar a existência de coisas ruins que acontecem a pessoa boas na vida comum. Uma explicação seria que tudo que acontece tem uma razão na vontade de Deus e acontece por uma boa razão. Outra explicação pode ser que o mal provém do ser humano, que está em evolução e age de acordo com seu livre arbítrio e vai responder pelo mal que causar após sua morte terrena. Outra explicação seria que o mal provém do Diabo, mas porque Deus deixaria ele agir para prejudicar as pessoas boas, que seguem seus preceitos?
Enfim, muitos questionamentos e pensamentos derivados desse livrinho incrível. Recomendo a leitura!