marcosmoreira 18/01/2024
Amar se aprende amando de Carlos Drummond de Andrade
Esse livro do Carlos Drummond tem alguns poemas que nos fazem refletir bastante, não só sobre o amor mas muitos poemas que indicam que não percebemos as coisas belas que ocorrem ao nosso redor. Surpreendentemente, eu li numa ocasião muito especial: o ínicio do ano, porque ele traz algumas reflexões sobre esse período do ano, de poemas que foram escritos entre o final da década de 60 e início da década de 80. Gostaria de deixar aqui um poema que me tocou bastante sobre a fotografia, só pra deixar vocês com um gostinho de quero mais.
"Diante das fotos de Evandro Teixeira
A pessoa, o lugar, o objeto
estão expostos e escondidos
ao mesmo tempo, sob a luz,
e dois olhos não são bastantes
para captar o que se oculta
no rápido florir de um gesto.
É preciso que a lente mágica
enriqueça a visão humana
e do real de cada coisa
um mais seco real extraia
para que penetremos fundo
no puro enigma das imagens.
Fotografia — é o codinome
da mais aguda percepção
que a nós mesmos nos vai mostrando,
e da evanescência de tudo
edifica uma permanência,
cristal do tempo no papel.
Das lutas de rua no Rio
em 68, que nos resta,
mais positivo, mais queimante
do que as fotos acusadoras,
tão vivas hoje como então,
a lembrar como exorcizar?
Marcas de enchente e de despejo,
o cadáver insepultável,
o colchão atirado ao vento,
a lodosa, podre favela,
o mendigo de Nova York,
a moça em flor no Jóquei Clube,
Garrincha e Nureyev, dança
de dois destinos, mães-de-santo
na praia-templo de Ipanema,
a dama estranha de Ouro Preto,
a dor da América Latina,
mitos não são, pois que são fotos.
Fotografia: arma de amor,
de justiça e conhecimento,
pelas sete partes do mundo,
viajas, surpreendes, testemunhas
a tormentosa vida do homem
e a esperança de brotar das cinzas."