Mathias Vinícius 22/08/2024
Um comentário sobre: O Deserto dos Tártaros
A todo o momento em que eu estava realizando esta leitura, me vi mergulhado em um território estranho e desconcertante, e ao mesmo tempo muito familiar, quase como se estivesse escalando a muralha [in]visível da minha vida. À medida que acompanhava Giovanni Drogo, percebi algo perturbador: eu sou Drogo, ou pelo menos, sentia que poderia ser. Há uma inquietação constante na jornada do personagem, uma dúvida persistente que também ecoa em mim: "Até que ponto estou vivendo de acordo com meus próprios desejos ou apenas seguindo um roteiro que me foi imposto?" Drogo, assim como eu, em certos momentos, resistimos a aceitar a lógica distorcida do Forte Bastiani. Ele chega jovem naquele local e com muitos sonhos e ambições, mas está fadado a uma rotina que parece não ter propósito, de dormir com o gotejar incessante de caixa d’água que nunca será remendada. É impossível não sentir a angústia dele como se fosse minha. Quantas vezes também me vi questionando as escolhas que fiz, perguntando se estou no caminho certo ou apenas esperando que algo aconteça, algo que talvez nunca venha. Seja em matéria de acadêmica, ou profissional, este tipo de questionamento sempre está ao meu lado.
O militarismo, com sua rigidez e obediência cega, se assemelha muito às pressões sociais que todos enfrentamos. (Claro que também tenho plena consciência que isto não é algo exclusivo da minha vida, muito pelo contrário, há tantos outros amigos que passam por situações iguais ou, até mesmo mais diversas que essas, que sinto que meu problema é ínfimo perto do deles.) Drogo vive em um estado de espera constante, assim como eu vivo, aguardando o grande momento, a mudança drástica que reviraria minha vida de cabeça para baixo. Mas, assim como no forte, essa mudança nunca parece chegar, e a espera se torna sufocante, com o silêncio, a monotonia, os dias que passam sem novidade — tudo isso cria uma sensação de aprisionamento que conheço bem.
"NEM TODOS NASCEMOS PARA HERÓIS." Essa frase me atingiu como um soco no estômago. No fundo, sempre quis acreditar que poderia ser o herói da minha própria história, que estava destinado a algo grandioso. Mas Drogo me mostra que, às vezes, a vida não é sobre grandes feitos, mas sobre aceitar o que é, sobre entender que o fracasso e a desistência podem ser tão parte da nossa trajetória quanto as vitórias. Ele, assim como eu, começa a nutrir pensamentos sobre a vida, sobre as escolhas que fez, e se dá conta de que o tempo que passou no forte é, na verdade, uma despedida lenta de suas aspirações.
Quando cheguei ao final da leitura, senti um vazio estranho, uma mistura de compreensão e melancolia. "Adeus, sonhos de um tempo distante, adeus, coisas belas da vida." As palavras de Drogo se misturaram com as minhas, e me vi despedindo de partes de mim que, talvez, nunca tenham tido chance de florescer. A juventude dele, marcada pela espera e pela expectativa, me lembrou das vezes que eu também esperei por algo que nunca chegou. E agora, como Drogo, começo a perceber que o tempo não é mais uma corrida contra o relógio, mas uma sequência de dias que se repetem, uma espera que talvez nunca se concretize. O Deserto dos Tártaros me fez questionar se vale a pena esperar por um destino incerto ou se, ao invés disso, devo aprender a viver o presente de forma mais plena. Assim como Drogo, luto entre o desejo de ação e a realidade da inércia. O deserto que ele enfrenta não é apenas um lugar físico, mas também um vazio interno, uma metáfora para a sensação de estar estagnado, esperando por algo que, no fundo, sei que pode nunca acontecer.
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