Paulinho 05/03/2013
Reflexão, Ironia, Filosofia, Crítica, História e Amor.
As palavras supracitadas acima descrevem esse livro. Saramago sempre escreve a partir do “SE”, e se a morte não mais existisse, se todos ficassem cegos, se todos votassem branco. Neste romance o “SE” é: e se os cruzados não tivessem ajudados a reconquista de Lisboa dos Mouros? De um revisor alterasse o texto conscientemente, deliberadamente? Quais as conseqüências?
Ao contar a história do Revisor Raimundo Silva e Maria Sara, Saramago nos conta a História do Cerco de Lisboa, com seu senso crítico aguçado e ferino ele nos diverte e incomoda e nos leva à reflexão.
"Bem me queria a mim parecer que a história não é a vida real, literatura, sim, e nada mais, Mas a história foi vida real no tempo em que ainda não poderia chamar-se-lhe história,”
História do Cerco de Lisboa. José Saramago - 320 páginas - Companhia de Bolso. Página 11.
"[...] os livros estão aqui, como uma galáxia pulsante, e as palavras, dentro deles, são outra poeira cósmica flutuando, à espera do olhar que as irá fixar num sentido ou nelas procurará o sentido novo,”
História do Cerco de Lisboa. José Saramago - 320 páginas - Companhia de Bolso. Página 21-22.
Uma verdadeira homenagem à história e à literatura, um reflexão forte sobre a importância de ambas e suas falhas.
"Em minha discreta opinião, senhor doutor, tudo quanto não for vida, é literatura, A história também, A história sobretudo, sem querer ofender, E a pintura, e a música, A música anda a resistir desde que nasceu, ora vai, ora vem, quer livrar-se da palavra, suponho que por inveja, mas regressa sempre à obediência, E a pintura, Ora, a pintura não é mais que a literatura feita com pincéis, Espero que não esteja esquecido de que a humanidade começou a pintar muito antes de saber escrever, Conhece o rifão, se não tens cão caça com o gato, por outras palavras, quem não pôde escrever pinta, ou desenha, é o que fazem as crianças, O que você quer dizer, por outras palavras, é que a literatura já existia antes de ter nascido, Sim senhor, como o homem, por outras palavras, antes de o ser já o era.”
História do Cerco de Lisboa. José Saramago - 320 páginas - Companhia de Bolso.Página 10.
Saramago reflete também sobre a vida do homem, sua existência, suas fraquezas.
"[...] não era bastante termos dito que o cão é o melhor amigo do homem, pelo jeito que leva o mundo bem pode acabar por ser o último.”
História do Cerco de Lisboa. José Saramago - 320 páginas - Companhia de Bolso. Página 140.
“Entre o martelo e a bigorna somos um ferro em brasa que de tanto lhe baterem se apaga.”
História do Cerco de Lisboa. José Saramago - 320 páginas - Companhia de Bolso. Página 17.
HÁ ainda amor com todas as suas dúvidas, medos e temores.
"Por que é que gosta de mim, diga-me, Não sei, Gosto, E não teme que quando começar a saber, possa começar a não gostar, Às vezes acontece, acontece mesmo muito, Então, nada, o depois só depois é que se conhece, [...].”
História do Cerco de Lisboa. José Saramago - 320 páginas - Companhia de Bolso.Página 212.
Este livro já possui também os germes de Ensaio Sobre a Cegueira.
"Olhar, ver e reparar são maneiras distintas de usar o órgão da vista, cada qual com a sua intensidade própria, até nas degenerações, por exemplo, olhar sem ver, quando uma pessoa se encontra ensimesmada, situação comum nos antigos romances, ou ver e não dar por isso, se os olhos por cansaço ou fastio se defendem de sobrecargas incómodas. Só o reparar pode chegar a ser visão plena, quando num ponto determinado ou sucessivamente a atenção se concentra. O que tanto sucederá por efeito duma deliberação da vontade quanto por uma espécie de estado sinestésico involuntário em que o visto solicita ser visto novamente, assim se passando de uma sensação a outra, retendo, arrastando o olhar, como se a imagem tivesse de produzir-se em dois lugares distintos do cérebro com diferença temporal de um centésimo de segundo, primeiro o sinal simplificado, depois o desenho rigoroso, a definição nítida imperiosa de um grosso puxador de latão amarelo, brilhante, numa porta escura, envernizada, que subitamente se torna presença absoluta.”
História do Cerco de Lisboa. José Saramago - 320 páginas - Companhia de Bolso.Página 146.
Por tudo isso História do Cerco de Lisboa, é um livro para ser lido, relido, analisado, pensado, refletido, suas idéias suas beleza são comoventes e comovedoras, Saramago mais uma vez nos deu uma obra além do tempo. Um trabalho de compreensão humana, arguto e fascinante.