David Ariru 28/10/2016
Refletir sobre a vida
Na primeira novela, A morte de Ivan Ilitch, surgem as clássicas questões: Qual o tipo de vida que vale à pena ser vivida? Qual é a vida boa? O que fazer com a vida? Tolstói nos dá a resposta e, ao mesmo tempo, faz uma crítica ao modelo de vida aristocrático da Rússia daquele tempo. Ivan julgava que vivia o modelo de vida almejado por muitos, o tipo de vida eleito como o ideal; a boa vida. Tanto é assim que ele, no fim, recusa-se obstinadamente a acreditar que sua vida não tenha decorrido de modo satisfatório.
Tolstói mostra que essa vida, muito cobiçada, na verdade traz uma satisfação ilusória. E isto exaspera Ilitch, pois esse vê, já sem poder remediá-lo, que deu a vida para manter este padrão tão desejado, e isso até mesmo literalmente, pois foi organizando a decoração soberba de sua casa que ficou doente.
O texto traz também outras questões, como o modo dissimulado e egoísta com que os outros tratam o moribundo e, ainda mais interessante, o Eu de Ilitch e sua atuação, ou seja, o que Ilitch realmente era, sentia, tinha vontade de fazer e porque fazia o que fazia ou deixava de fazer. Em suma, algo parecido com o que foi chamado depois de id, superego e ego, a divisão do ser em ímpetos, proibições e deliberações. Ilitch parece-nos durante maior parte do texto como um homem que é apenas o que lhe instigou a ser o meio em que vivia, apenas um reflexo do mundo à sua volta, como se não existisse uma unidade deliberativa nele e que só fazia o que diziam que devia ser feito, chegando ao final da vida sem ter sido ou feito o que desejava realmente ser ou fazer.
Já em Senhores e servos, que também critica o estilo de vida aristocrática e burguesa da época, trata-se mais especificamente da relação que essa aristocracia mantém com os seus subalternos. O senhor trata seu servo com superioridade e astúcia enquanto este lhe é sempre passivo, o que chega a ser irônico, pois em várias passagens do texto o servo aparenta ser superior ao senhor em muitos aspectos, sendo ele tratado como é apenas por pertencer a uma classe social diferente.
No fim da história o senhor percebe o quão vão é seu patrimônio diante do que eles estão enfrentando e como, por causa dele e de sua ambição, acabaram entrando nessa situação. Assim ele deixa de lado a avareza, que mais se preocupa em ter que usufruir do que tem, e compreende que, independentemente de classe ou posses, a vida tem mais valor que qualquer outra coisa.
Enfim, são duas histórias que nos convidam a refletir sobre como vivemos nossas vidas e a deixar de lado coisas que julgamos importantes, mas que na verdade podem ser supérfluas. Levando em conta o contexto pessoal em que essas histórias foram escritas, elas certamente carregam alguns traços autobiográficos e deixam transparecer exatamente qual o pensamento do autor a respeitos dos temas abordados.