lucasfrk 01/09/2024
História Universal da Infâmia ? comentário
Jorge Luis Borges, mestre da narrativa breve e da literatura fantástica, publicou, em 1935, História Universal da Infâmia, uma obra que transcende os limites da biografia e da história para adentrar o reino da lenda e do mito. Nesta coletânea de contos, o autor argentino tece uma tapeçaria complexa, repleta de personagens obscuros e acontecimentos enigmáticos, que nos convidam a uma reflexão sobre a natureza humana e os limites da verdade histórica numa conjugação labiríntica de textos. Inspirado pelas (re)leituras de Stevenson, pela prosa de Marcel Schwob e pelos filme de Sternberg, Borges faz deste livro um exercício de aprendizagem, de reescrita de livros doutros autores, traçando biografias imaginárias repletas de ironia e de uma livre experimentação, capturando a essência estilística do autor, combinando fatos históricos com ficção num jogo literário engenhoso.
Borges, em seu estilo característico, cria um labirinto literário onde a realidade e a ficção se entrelaçam, utilizando-se duma bibliografia pré-existente, apropriando-se do que outros autores e historiadores escreveram acerca destes personagens ? seres complexos e ambíguos, muitas vezes motivados por paixões obscuras e desejos inconfessáveis. Personagens perversos da história povoam as páginas da obra, convidando o leitor a questionar a natureza da infâmia e da moralidade nesses relatos curtos. Os ambientes, por sua vez, são carregados de um ar de mistério e decadência, evocando cidades esquecidas, bibliotecas labirínticas e paisagens inóspitas. A obra não se propõe a apresentar uma história linear e objetiva, mas sim a explorar as zonas cinzentas da existência humana, os mistérios não resolvidos e as vidas que se perderam nas sombras da história.
O autor subverte a ideia tradicional de história, mostrando-nos que os fatos históricos são construídos e reconstruídos ao longo do tempo, moldados pelas narrativas dominantes e pelas visões de mundo de cada época. A obra nos convida a questionar as fontes históricas, a desconstruir os mitos e a buscar a verdade por trás das narrativas oficiais. A linguagem intrincada e precisa de Borges, aliada a uma estrutura narrativa fragmentada e não linear, cria um efeito hipnótico no leitor, que se vê imerso num mundo de mistérios. A obra ainda faz uma reflexão sobre a natureza da identidade, a construção da memória e o papel da história na formação de nossas identidades. Através de uma prosa elegante e enigmática, Borges cria uma viagem pelas sombras da história, explorando os mistérios do humano e a natureza da realidade.