Luis 21/04/2015
Sertanejo blues
Os anos 90 foram fundamentais na consolidação do romance policial brasileiro. Basta lembrarmos que, em 1996, Luiz Alfredo Garcia Roza estreava com “ O Silêncio da chuva”, ganhador do Jabuti, introduzindo um dos personagens sínteses do gênero, o Delegado Espinoza, titular da 12º DP, em Copacabana. Um pouco antes, em 1995, nascia uma outra figura que, ao lado de Espinoza, seria um dos pilares desse novo filão da ficção nacional : o detetive paulistano Remo Bellini, criação do guitarrista dos Titãs, Tony Belloto, que então se aventurava pela primeira vez como autor.
Passados quase 20 anos de sua aparição, e já com o policial fixado nas nossas hostes literárias, Belloto lança “Bellini e o Labirinto” (Companhia das Letras, 2014), a quarta aventura do personagem, que foi vivido nos cinemas por Fábio Assunção.
A primeira característica que chama a atenção no livro é o link permanente entre a trama e o mundo da música. Nada a estranhar em se tratando do autor ser uma das personalidades do Brock, mas, para quem já leu os outros títulos de Belloto, embora a música, e em especial o blues, seja forte elemento de referência dos romances, não havia ainda sido explorada como um dos ingredientes principais. Em “Bellini e o Labirinto”, o titã constrói o enredo em cima da crescente onda da nova face da música sertaneja, aquela representada pelas duplas e artistas milionários oriundos principalmente de Goiânia, a meca desse gênero musical.
A história gira em torno do sequestro de Brandãozinho, o solteiro bon vivant, que faz uma dupla de sucesso com o irmão. O sumiço do cantor, visto pela última vez próximo a um bordel de beira de estrada, é o mote para que Bellini, a pretexto de ajudar nas negociações, se mude temporariamente para a capital de Goiás, onde se envolve em uma aventura rocambolesca que mistura policiais corruptos, extorsões, femmes fatales (encarnadas na personagem Marianne, mais uma referência musical), violas sertanejadas misturadas a sintetizadores e o mais puro e original blues, saindo do velho discman do detetive.
O Labirinto do título, refere-se não só à espiral de acontecimentos desencadeados pelo sequestro, mas também à lembrança do terrível acidente com o Césio 137, ocorrido na cidade em 1987, culminando com a morte de 4 pessoas e a contaminação de centenas. É o cenário reservado ao ápice do romance.
Apesar de repleto de qualidades, “Bellini e o labirinto” não repete o entusiasmo da obra inaugural “Bellini e a esfinge”, obra que acabei lendo quase de uma vez só, durante uma viagem de carro de São Paulo para o Rio, em 2003, e que rendeu um ótimo filme dirigido por Roberto Santucci, em 2001. De qualquer forma, é mais um passo no caminho natural da consagração de Tony Belloto como um dos nomes seminais da moderna literatura brasileira. Inclusive, é curioso constatar que atualmente o artista parece muito mais associado ao mundo das letras (além de escritor, apresenta o programa “Afinando a língua”, no canal Futura) do que ao da música, onde ganhou projeção inicial.
Remo Bellini, com suas reflexões blueseiras, embaladas pela irradiação em um velho três e um e no seu inseparável discman, não nos deixa mentir.
P S : Esse livro foi um dos presentes que recebi do amigo recifense Arsenio Meira, a quem dedico esse texto. Forte abraço, Arsenio.