Paulo 02/01/2021
As liras começam prazerosas, plácidas, simples. O livro é dividido em três partes (nesta edição, a terceira tem a autenticidade discutida, segundo o curto prefácio), a primeira, antes da prisão de Tomás Antônio Gonzaga por sua participação na Inconfidência Mineira, e a segunda, preso e depois degredado na África (embora eu não saiba se algumas da liras foram escritas no degredo ou se só na prisão da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro), a segunda parte descreve sua solidão, seus pesares e a injustiça de sua sorte, apesar de ainda dedicar todas as liras à Marília, idealizando-a como uma mulher quase transcendental, superior aos seres humanos e até sobre-humanos, desejando revê-la e passar seus dias com ela no campo, que é uma das características do Arcadismo, período em que a obra se situa.
Apesar de pregar a simplicidade da vida, os versos depois de algumas liras tornam-se cansativos e difíceis, eu pelo menos tive muita dificuldade e desprazer em ler muitos deles, não todos, me encantei com um tanto deles e decorei alguns (“... o tempo não respeita a formosura”, “... Trato a cupido Como traidor”) e fiz um esforço para memorizar uma estrofe pertinente (“... Nenhum dos homens conserva Alegre sempre seu rosto Depois das penas vem gosto Depois de gosto, aflição Muda-se a sorte dos homens Só a minha sorte não?”), mas sua construção e organização das palavras não é tão simples quanto a vida que prega e almeja, em diversas liras há uma dificuldade também quando Gonzaga cita inúmeros seres da mitologia greco-romana, afinal, o Arcadismo/Neoclassicismo é uma “retomada” dos clássicos greco-romanos, e existe até uma lira em que a ode passa de Marília para uma tal Elvira.
Eu diria também que de simples não se pode chamar essa idealização que ele faz de Marília (seu martírio sentimental na segunda parte é considerado pré-romantismo), o motivo de sua existência e esperança, nada há mais belo e cativante no mundo do que sua amada. Mas ao pesquisarmos sobre sua vida, tendo em mente que Marília de Dirceu é uma espécie de autobiografia poética, descobrimos que Marília esperou até o fim do degredo de Dirceu para reencontrar com ele, seu amor, mas ao ir atrás dele em Portugal, segundo li em um artigo, ela descobre que Dirceu casou-se, e segundo consta a história, o pai da moça era comerciante de escravos. Marília morreu sozinha aos 85 anos.
O livro é, então, por vezes encantador e belo, mas maçante e cansativo ao tornar a linguagem mais inacessível, ao menos para nós mais incautos, e com muitas referências mitológicas.