Parreira 09/07/2015
Todo Maldito Santo Dia - impressões
Todo maldito santo dia — Paulino Júnior
Abro a porta da geladeira e retiro de lá Todo maldito santo dia, primeiro livro de contos de Paulino Júnior, nascido em SP e morador de Florianópolis.
Abro a porta da geladeira, repito, e não por acaso: o frio me acompanhou do primeiro ao último dos 20 contos que fazem parte dessa coletânea.
Num país em que o conto tem o status de ‘literatura menor’, só comparável às eternas ‘maldições’ da poesia, Paulino Júnior é o sujeito (mais um deles, ainda bem!) que coloca esse rótulo de escanteio com uma escrita escrota, fina e afiada, uma prova de que o gênero vai muito bem, obrigado, e cego é aquele que não abre os olhos pras surpresas que surgem uma após as outras.
Já na orelha, escrita por Nilo Oliveira, encontro um subtítulo que é a cara (e também a definição) do livro: A Estética do Osso. Porque Paulino Júnior não trabalha com a delicadeza da caneta ou com a suposta fragilidade dos teclados: seus instrumentos de ofício são as facas, os machados, as serras elétricas que, antes de construir a linguagem, a desnudam de qualquer excesso bonitinho ou politicamente correto. Até o osso.
E é justamente da linguagem de Paulino que vem o frio que sinto até agora: ela é de uma precisão que a muitos pode parecer incômoda, uma prosa que evita e explicita a sua aversão à linha reta, aos lugares comuns dos fast foods nos quais tropeçamos diariamente na linha de produção cada vez mais sem pudores dessa coisa estranha e sem alma que insistem chamar de mercado editorial.
O trabalho e suas relações, que o próprio autor insiste em proclamar como fio condutor do livro, pra mim são pura cortina de fumaça, mais um artifício muito bem utilizado por Paulino: o trabalho, ou a “labuta”, são apenas o ponto de partida de um mergulho profundo que o autor faz na alma contemporânea. Paulino fica ali no canto, talvez fumando um cigarro e coçando o saco, em silêncio, filmando com lente apurada os pequenos desencontros dessa gente que rala em busca de um lugar ao sol. É uma crítica, sim, ao sistema ao qual estamos todos condenados, façamos parte dele ou não, o que é tão ruim quanto. Falar mais sobre a Estética do Osso, no entanto, é insuficiente. É preciso vivenciá-la.
Faça, portanto, como falei lá em cima: abra a porta da geladeira e tire de lá o seu Todo maldito santo dia. Vai fazer frio, eu sei. Mas quem disse que não é bom?