Coisas de Mineira 13/03/2023
Em A Dolorosa Raiz do Micondó se encontra 27 poemas da autora Conceição Lima para marcar a vida dos leitores. A autora nos leva a um retorno as suas experiências de vida através de poemas que prendem e ensina o leitor.
Você está preparado reparado para ouvir sobre literaturas africanas e poesia? Porque, por aqui, eu tenho muito para falar. O livro, A dolorosa raiz do Micondó, da poetisa são-tomense Conceição Lima, é um verdadeiro coletâneo de poesias que simbolizam a resistência de um povo, a fauna e flora da região, a morte de uma cultura/identidade, marcas pessoais de suas ancestralidades, memórias ao longo de sua vida e os registros dolorosos deixados pelo cruel período que foi a colonização.
São 27 poemas muito bem escolhidos que prendem o leitor de tal forma que o leitor termina sem se dar conta. Mas, já deixo avisado que você vai precisar de um dicionário do lado para entender e pegar a referência em algumas poesias, mas não se assuste, porque ao invés de ficar algo chato de se ler, os poemas ficam chamativos.
“e no rasto do tam-tam revelarei
o medo adolescente encolhido nas vielas
beberei a sede da planta no teu grão.”
RESENHA DO LIVRO A DOLOROSA RAIZ DO MICONDÓ, DE CONCEIÇÃO LIMA
Diferente das outras duas resenhas das literaturas africanas que eu trouxe para o blog, dessa vez eu apresento uma coletânea de poesias que me marcaram muito em sala de aula quando apresentaram a obra e fizemos comentários a respeito.
A autora sabe muito bem brincar com as palavras e ela vai fazendo referências as raízes não só das árvores, mas suas próprias raízes enquanto família, enquanto ancestralidade. Sua forma de registrar as palavras são tão significativas que você vai sentindo cada verso escrito, cada poema lido.
Como dito acima, seus poemas são bem intimistas, diz muito sobre si e sobre suas dores, em seu primeiro poema “canto obscuro as raízes” a autora faz as referências a seus familiares, mas falando do fato de não ter conhecido nem a aldeia de seu avô e nem ele. Poema forte que vai sendo construído na ideia de quem poderia ser o avô e quem não poderia, também apresenta suposições das coisas que ele fez e não fez. São questões são dolorosas que a leitura vai ficando cada vez mais cruel.
“ele que partiu de tão perto, de tão perto
ele que chegou de tão perto, de tão perto
ele que não fecundou a solidão nas margens do Potomac”
O que seria o Micondó mencionado pela autora?
Antes de mais nada, acredito que seja importante entender o que seja o Micondó. Apesar do título do livro ser bem autoexplicativo, o Micondó é uma árvore bastante conhecida em São Tomé e Principe e em outras regiões por serem bem grandes, podendo alcançar até 25 metros de altura, além de se desenvolverem em zonas mais áridas do continente africano.
Agora que entendemos o que é o Micondó, podemos de fato aprofundar a respeito de A dolorosa raiz do Micondó. Vou separar alguns poemas para abordar, pois, acredito que fique mais fácil de entender a escrita da Conceição, uma que seus poemas apresentam uma linguagem que não temos acesso, que é uma pena, pois, adoraria aprender.
“pois eu corria pelo quintal, eu descobria o canavial
o mundo era plano, eu tinha o quintal”
OS MOTIVOS QUE FAZEM OS POEMAS SEREM TOCANTES
O livro é uma verdadeira viagem, daquelas bem envolventes que você nem percebe a hora passar, parece até mesmo senta para conversar com a autora e termina reflexivo e cheio de conhecimento de uma história que por tanto tempo tentaram destruir.
Outro poema do coletâneo A dolorosa raiz do Micondó que vai posso trazer para te fazer entender melhor como é a escrita da Conceição, é o poema “espectro de guerra”, nele, ela apresenta uma situação de sua infância e relando a respeito da guerra, como seu pai foi torturado e preso, como homens brancos se comportavam e o que diziam, além do que a guerra causa.
Sem preservar os detalhes de si mesmo e nem o leitor, a autora fala de suas experiências e como enxergava as situações naquele momento de sua vida.
“um dia fui ao hospital e vi esqueletos. Eram pequenos como nós e eram esqueletos. Só tinham cotovelos, olhos e joelhos”
A ANCESTRALIDADE PRESENTE NOS POEMAS A DOLOROSA RAIZ DO MICONDÓ
Quando eu falo que Conceição de fato escreve sobre sua ancestralidade, você se depara na leitura do livro com poema que ela menciona onde nasceu, onde brincou, onde cresceu e menciona também o lugar que faz o seu coração acende o desejo de sua primeira viagem, e ainda faz uma comparação com Lisboa.
Deve admitir que muitas poesias partiram meu coração de uma forma inexplicável, seus poemas transmitem tanta resistência de um povo que foi sofreu muito, fico impressionado em como a autora transformou suas dores em poesia, pegou o sofrimento e o ressignificou em arte e deixou marcado nas literaturas a sua obra.
Fico tentando imaginar o processo de escrita da autora durante os poemas de A dolorosa raiz do Micondó, porque a autora escreve sobre muitos momentos de sua vida, isso é notável no decorrer da leitura, mas o jeito com o que ela relembra de sua família, de vários momentos, parecem que marcaram bastante ela. Tem um poema chamada “as vozes” que faz bastante menção a sua família, a sua infância de forma tão simples que da para notar a inocência ser tão esplêndido.
A DOLOROSA RAIZ DO MICOND TEM TRECHOS QUE MARCAM O LEITOR
Gostaria de trazer muitos trechos, poderia até falar sobre todos os poemas, mas nada se compara com a leitura que fazemos. Vou trazer mais dois poemas que eu gostei bastante e espero que consiga fazer com que vocês se aproximem pouco mais das poesias.
Outro poema que eu gostaria de comentar é o “Os olhos do retrato” vem nos mostrar mais uma vez referência de sua família, nele, já nos deparamos com comentários sobre seu avô, seu pai e cita sua infância e como ela enxergava o mundo.
Por fim, mas não menos importante, gostaria de comentar sobre o poema “Soya” foi um dos que mais me marcou. Gosto de como ela fala sobre o renascimento do Micondó, ali, eu sinto que talvez seja uma esperança de que algum dia haverá paz novamente. Gosto de como cada citação dela remete a esperança de algo melhor que possa estar por vir e o desejo de ter seu lar novamente em suas mãos, sem aquela velha preocupação. De verdade, não consigo encontrar críticas para o livro, porque a escolha dos poemas, sua estrutura está deslumbrante, uma das melhores leituras que eu tive. Espero poder continuar falando das literaturas africanas, porque as pessoas devem conhecer mais e mais.
“porque eu buscava a voz do sótão
quando fugia com as borboletas
e eu voava com as viuvinhas
quando corria e me escondia atrás dos troncos”
Além das poesias, a autora nos presenteia com mais referências
Além dos poemas, é claro, uma das coisas que eu gostei bastante durante a leitura de A dolorosa raiz do Micondó, é a forma com a autora faz referências de lugares, pessoas, em um determinado momento há referência até mesmo à epopeia, tornando a leitura mais envolvente e cheia citações. Não sei se você é dos que ama poesia, mas se está procurando por algo que vai te marcar e tirar algumas lágrimas de seus olhos, os 27 poemas da Conceição selecionados neste livro, estão te esperando.
Assim como outros escritores que eu trouxe aqui, como Abdulai Sila e Ondack, que escreveram sobre resistência, luta, colonialismo, Conceição também apresenta em suas poesias. Além de usar palavras que não são de língua portuguesa, e isso dificulta uma pouco na leitura dos poemas, mas nada que um bom dicionário do lado não ajude.
Os poemas tem uma estrutura bem peculiar, diferente do que estamos acostumados, mas isso não interfere no entendimento, acredito que tenha até facilitado mais a leitura. Devo admitir que no primeiro poema eu já fui pego de surpresa com o livro e não quebrou minhas expectativas no decorrer da leitura, pelo contrário, fiquei impressionado e encantado pela Conceição a cada poema lido.
Seus poemas carregam registro íntimos, que vai nos envolvendo a cada leitura. Muito feliz e extremamente grato por ter tido a experiência de as poesias de uma mulher sensacional, com uma escrita fantástica. Apesar de ser suspeito para falar sobre poesias, uma vez que eu gosto bastante, confesso que A dolorosa raiz Micondó me surpreendeu bastante. Espero poder ver suas obras, e as demais literaturas africanas, em destaques nas grandes livrarias.
“Há-de nascer de novo o micondó”
Sobre a Conceição Lima
Eu tenho para mim que as pessoas deveriam ler, estudar, pesquisar, sobre os poemas escritos pela Conceição Lima. Sua escrita é fantástica, cheia de repertórios culturais e sócias que, com certeza, influenciam nas obras de muitas pessoas. A autora nasceu no ano de 1961, em Santana, capital de São Tomé e Príncipe. Escreveu outros livros como O útero da casa: poesia, de 2004, e O país de Akendenguê, 2011. Se eu pudesse resumir a autora em uma palavra, seria “fantástica”.
A dolorosa raiz do Micondó está em 13° posição, na Amazon, dos mais vendidos em África História. Realmente genial como a autora conseguiu fazer de forma lírica todos os acontecimentos de suas raízes.
Por: Dalyson Oliveira
Site: www.coisasdemineira.com/2023/03/a-dolorosa-raiz-do-micondo/