spoiler visualizarVal 17/09/2018
Crime ou delírio?
Obra modernista do escritor português Mário de Sá-Carneiro, publicada em 1914, A Confissão de Lúcio é considerada pelo crítico e escritor José Régio como a obra-prima daquele autor, pois constitui uma narrativa capaz de prender o leitor pelos efeitos de surpresa e suspense nela contidos.
Ainda encontram-se nesta obra as principais tendências da narrativa de Sá-Carneiro, entre elas: o desejo de viajar; o gosto pela civilização cosmopolita; a descoberta e exploração de novos sentidos/sensações; a presença explícita de reflexões do autor; o narcisismo exacerbado de algumas personagens e, sobretudo, as suas obsessões pelos temas do suicídio, do amor socialmente pervertido (sexualidade ambígua) e da anormalidade beirando à loucura.
Há em A Confissão de Lúcio um protagonista transmutado pelo seu destino ilógico que anseia, após 10 anos preso, confessar um crime que não cometera. Porém, esse personagem-narrador busca sempre demonstrar o contrário daquilo que seria esperado de uma confissão, isto é, apresentar fatos para assim conseguir credibilidade por parte do leitor, ficando esse interlocutor como um "júri", conforme o autor faz crer no prólogo da obra.
A história começa do final para o início, já nas primeiras páginas o confidente Lúcio relata o grande desengano que caiu sobre sua vida após os acontecimentos que irá contar, mas deixando aparentar que os 10 anos que ficara na prisão por um crime que não cometera fossem algo benéfico para ele. No entanto, não se deve esquecer a presença de certa ironia, ao longo de toda obra, por parte do narrador. Lúcio, assim, cumpre passivamente um destino absolutamente sem sentido que desvia das leis da lógica: permite-se prender e condenar por um crime que não comete e que nem sequer se sabe se realmente existiu.