WillZoka 09/01/2024
Estamos todos presos dentro de uma caixa de pássaros.
A ideia de um apocalipse na nossa cultura não é nova, diversos autores e títulos existem para provar o quão inevitável é se pensar nos fins dos tempos. Em cada obra o autor tenta trazer sua criatividade em criar diversas histórias, personagens e condições cada vez mais cruéis e intrigantes para atiçar nosso imaginário. Cada vez mais os desafios se tornam complicados e originais, e nós enquanto consumidores e fãs dessas ideias nos vemos pensando, “seria eu capaz de sobreviver a esta nova realidade? Sem as pessoas ou a maneira de viver que eu possuía antes e agora tendo que tomar escolhas desumanas e claro, se eu sobreviver por muito tempo?”
Agora imagine passar por um apocalipse totalmente vendado, sem conhecimento real do perigo ou mesmo uma esperança de vitória contra isto.
Me lembro vagamente de ler “Caixa de pássaros” na época da faculdade em 2017 ou 2018 e ficar impressionado e assustado com a obra. Eu estava ansioso em comprar o livro pois já tinha ouvido falar muito bem dele, e a experiencia tanto na primeira quanto na segunda vez recentemente em 2022 não foi diferente. Arrisco a dizer que a segunda foi ainda mais assustadora pela pandemia que estamos vivendo hoje em dia e pela sequência inesperada do livro em 2020.
Como dito antes, a época influencia muito nosso comportamento e visão de mundo, antes da pandemia o medo de algo de grande escala acontecer no mundo e desestruturasse nossa rotina, convivência social e também a maneira de olharmos para a vida parecia bem difícil de acontecer. Porém, agora depois de dois anos vivendo tudo isso e adaptando cada vez mais as mudanças esta história e seu terror se torna muito mais intensa do que qualquer obra que tenha lido nesses tempos.
No livro que é alternado em passado e presente, nos dias de hoje acompanhamos Malorie e seus dois filhos, Garoto e Garota, ambos de quatro anos que juntos devem descer 32km em um barco por um rio, vendados, sendo perseguidos por alguma coisa, indo aonde talvez, encontrarão um local seguro e com a promessa de novas possibilidades nesse novo mundo cego e sem esperanças de dias melhores. Já no passado quatro anos atras vamos entender – mais ou menos – como a pandemia começa na terra e se alastra rapidamente por alguma força sobrenatural que, ao entrar em contato visual com as pessoas as faz agir de maneira violenta matando outras pessoas e tirando sua própria vida, forçando com que todos tomem medidas drásticas e mudem suas formas de vida, destruindo e desestruturando para sempre o contato com a natureza, as outras pessoas e a si mesmos. Malorie fazia parte de um grupo liderado por Tom, um amigo leal e outros sobreviventes que não se conheciam, mas se unem para lidar com todo o perigo cego existente.
O terror aqui se torna muito mais palpável e real pois é inexplicável, distante de qualquer relação racional que conhecemos, os personagens só podem aceitar e lidar com as novas circunstâncias, abandonando totalmente qualquer segurança que possuíam antes e tentar a todo custo sobreviver.
Tal relação que mesmo não sendo muito bem explorada na história, se mostra eficiente no sentido de existir um companheirismo e necessidade de um grupo para que todos sobrevivam juntos, afinal mais do que em qualquer outra realidade, agora eles precisam uns dos outros seja pela força física e psicológica que eles se dão guiados por Tom, seja pelo companheirismo que os lembra que ainda existe humanidade mesmo depois de toda desgraça.
Para algumas pessoas a narrativa no futuro pode incomodar já que, isso torna previsível o que irá acontecer no passado, porém, mesmo que adiantemos certos acontecimentos nós nunca poderemos prever o quão violentos e inesperáveis ele serão. Caixa de pássaros possui cenas realmente fortes de violência extrema ou mesmo sugestiva, onde nossa imaginação completa o que o autor sugere. O que torna ainda mais real o terror já que, como os personagens estão vendados não tendo noção nenhuma do perigo presente, nós também não temos. Se ele escolhe não olhar para um cadáver que tem certeza de estar ali, mas descreve o que sente pelo cheiro ou o tato, nós não o veremos, mas sentimos aquilo.
E nunca se mostrou tão necessário em uma história de terror o tato e o olfato do que aqui. Não só pelas condições físicas atuais dos personagens, mas também para criar o universo de terror totalmente ausente de humanidade. Temos lugares com corpos destroçados, cheiros fortes e que mostram a nós o que existe ali sem mesmo precisar ver. Os recursos narrativos são muito bem explorados e mesmo quando pensamos que certo detalhe pode ter sido deixado de lado, somos surpreendidos futuramente seja por um acontecimento inesperado ou uma surpresa narrativa. Como por exemplo os próprios pássaros ditos no título, de início pensamos que é apenas uma metáfora a condição de vida dos personagens neste mundo apocalíptico. Porém no futuro os pássaros são apresentados como recurso narrativo e de sobrevivência para todos. E mais uma vez somos surpreendidos ao pensar que eles serão muito uteis para combater ou pelo menos evitar a presença das criaturas, mas não. Eles apenas alertam pelo barulho que existe algo ou alguém por perto. Mostrando mais uma vez que não há até agora nenhum recurso contra esta nova ameaça.
Dentro das Caixa de Pássaros as pessoas são abrigadas e sobreviverem as cegas em busca de qualquer esperança ou ao menos sobrevivência, o fim da história pode ser desagradável para algumas pessoas por ser aberto e interpretativo, porém para mim e várias pessoas, um horror sem descrição ou forma física se torna muito mais assustador porque quando nós materializamos esse medo, criatura ou o que for, nós somos forçados a encarar a nós mesmos.