Nelson 19/05/2014
O CHEIRO DE CRAVO, A COR DE CANELA.
Ilhéus era uma cidade em mudança, porém, os resquícios dos tempos selvagens de outrora ainda resistem. Jorge Amado manteve sua principal característica: os personagens bem desenvolvidos, “fortes”, surpreendentemente carismáticos e dignos de alta empatia. Esse livro foi escrito para os personagens, não o contrário.
O itabunense escrevia muito bem – um jeito de escrever nem muito denso, nem vago demais –e repleta de descrições deliciosas, sensualidade e informalidade.
A história é dividida entre dois polos principais: o idílio entre Gabriela e Nacib Saad e a luta política entre Mundinho Falcão e a conservadora família Bastos, esses dois polos (ou tramas) e seus personagens são tão bem desenvolvidos que seria impossível descobrir o protagonista do livro, se não fosse o título e o carisma da sertaneja Gabriela. A crítica à sociedade é explícita, o livro propõe um embate sobre os valores morais, alguns deles – hoje, felizmente ultrapassados – são os que restringem a liberdade da mulher e a tornam inferior ao homem. Afinal, por que temos que impor tantas barreiras sobre nossa felicidade? O livro nos apresenta quatro mulheres que lutam e sofrem com esses valores morais pulverulentos e estúpidos: Ofenísia e seus langores, Glória, na sua janela a suspirar, a irreverente Malvina e nossa heroína, Gabriela.
Como dito anteriormente, a melhor parte dos livros de Jorge Amado são os personagens fortes, até mesmo os terciários como seu Nilo, as Dos Reis, Tuísca e Jerusa tem uma construção que varia de boa a razoável – afinal, são terciários – e também podem gerar simpatia no leitor. Sem falar, que nenhum dos personagens são “perfeitinhos”, afinal, um personagem sem defeito algum é o cúmulo da “capacidade de irritação”.
No polo da luta política, tem-se Mundinho Falcão, um jovem ambicioso do Sudeste em busca de se desvencilhar da sombra dos irmãos e do outro lado está Ramiro Bastos, homem velho e autoritário – mas não completamente ruim, no fim de tudo é apenas um pobre idoso com saúde frágil e com medo de perder o poder que subiu-lhe a cabeça, é até merecedor de pena. Uma questão importante a levantar: o poder que corrompeu Ramiro, também corromperá Mundinho? Se Ramiro era um “progressista” dos tempos de selvageria, seria Mundinho também corrompido pelo poder?
Já na trama principal, Gabriela e Nacib reinam soberanos. O romance entre o brasileiro das Arábias e a retirante com cheiro de cravo começa de forma forçada, instantânea demais, mas se desenvolve bem ao longo da história. Nacib, o dono do bar Vesúvio é de longe o homem mais decente de Ilhéus, – e até mesmo o mais corajoso, afinal, foi o único que descumpriu a “lei” do adultério feminino – mas nem mesmo a bondade de Nacib, seu comportamento meigo e bonachão conseguiu superar as malevolências do poder. Depois do bar Vesúvio acender socialmente como o maior bar das terras grapiúnas, Nacib tenta transformar Gabriela – e ele mesmo até – em algo que ela não era.
Já Gabriela... Como poderei explicar, caracterizar inteiramente Gabriela?! Como disse João Fulgêncio: “Explicar é limitar. É impossível limitar Gabriela, dissecar sua alma”. Arrisco-me a dizer que Gabriela é a alegria de uma roda de samba, quando ela anda pelas ruas ilheenses, – vestindo um vestido de chita e com uma flor rubra e tropical na orelha – caxixes, agogôs, pandeiros e atabaques começam a soar e a pessoas encantam-se com seu gingado, com sua beleza suprema e seu sorriso esplêndido.
Gabriela é uma personagem relativamente simples quanto ao seu passado, sua história – mas do que importa? – Afinal, sua bondade, sua simplicidade, sua ânsia de viver e sensualidade conquistam qualquer um com que ela se deparar. Ela é uma metáfora, é a encarnação da pureza em linhas e letras, mas afinal, o que pureza? Sem levar em conta valores morais como a castidade – afinal, esse livro é um embate ao valores morais –, pureza é ser feliz sem se importar com o que os outros pensam, não enxergar pecado na satisfação dos seus prazeres, é ser feliz do jeito que é, ser ingênuo e generoso! Gabriela é isso tudo e mais.
Em resumo, apaixonei-me por Gabriela, seu doce e agradável cheiro de cravo e sua belíssima e suave cor queimada de canela.
“TEM CERTAS FLORES, VOCÊ JÁ REPAROU? QUE SÃO BELAS E PERFUMADAS QUANDO ESTÃO NOS GALHOS, NOS JARDINS. LEVADAS PARA JARROS, MESMO PARA JARROS DE PRATA, FICAM MURCHAS E MORREM”.