Clóvis Marcelo 17/02/2016“William Stoner entrou na Universidade do Missouri como calouro no ano de 1910 com a idade de dezenove anos. Oito anos depois, no auge da Primeira Guerra Mundial, recebeu o diploma de doutorado e assumiu um cargo na mesma universidade, onde lecionou até a sua morte em 1956. Nunca subiu na carreira acima da posição de professor assistente, e poucos estudantes lembraram dele com alguma nitidez após terem cursado suas disciplinas. Quando morreu, seus colegas doaram à biblioteca da universidade um manuscrito medieval em sua memória. Esse manuscrito ainda pode ser encontrado no “Acervo dos Livros Raros”, com a inscrição: “Doado à Biblioteca da Universidade do Missouri. Em memória de William Stoner, departamento de Inglês, por seus colegas”. Abertura do Capítulo 1, pág. 7
Assim John William começa narrando a história do protagonista Stoner. Seco, objetivo, direto ao ponto? São essas as características que dão forma ao livro publicado em 1965. Um exemplo de sutileza na literatura e a confirmação que não é preciso muito para contar uma boa história.
Narrado em terceira pessoa, com certo distanciamento dos complexos personagens, parece que estamos assistindo uma história contada de longe. Com uma cronologia extensa dita em poucas palavras, o livro consegue ser curto em tamanho e denso em reflexões.
“Às vezes, imerso em seus livros, vinha-lhe a consciência de tudo que ele não sabia, de tudo que ele não lera. E a serenidade para a qual trabalhava tanto ficava abalada quando se dava conta do pouco tempo que tinha na vida para ler tanta coisa, para aprender o que tinha de saber”. Pág. 33
Muitos podem se perguntar qual a motivação em ler sobre um personagem tão banal, em ler sobre uma história que logo a princípio já sabemos do fim. Eu responderei que assim é a vida, e esse livro chama mais atenção justamente por sua proximidade com o real, com situações críveis que realmente acontecem ou poderiam ter acontecido a um de nós. O importante aqui é o que se esconde nas entrelinhas, por isso é tão difícil comentar sobre a temática deste livro.
Stoner parece um mártir sem perceber, seu comportamento é muito passivo e ele nunca reage, mesmo tendo ciência da realidade em que vive. O principal conflito envolve seu casamento com Edith, uma pessoa bem problemática.
O fator década de 1960 contribui para tanto. Ela quer cumprir seu papel de esposa e mulher mesmo que isso vá contra as suas vontades. Ela praticamente se vê na obrigação de casar e estar em situação submissa, já que isso lhe foi ensinado desde menina. Dessa forma, tudo vira uma bola de neve com o passar dos anos numa vida de irrealização. O marido, embora faça o que goste, não tem grandes ambições, desejando apenas apaziguar o temperamento e satisfazer as vontades da esposa enquanto dá suas aulas.
“Você precisa lembrar o que você é, o que você escolheu ser, e o significado do que você está fazendo. Há guerras e derrotas e vitórias da raça humana que não são militares e não são registradas nos anais da história. Lembre-se disso quando estiver tentando decidir o que fazer”. Pág. 46 Conselho de Sloane para Stoner.
O livro também dá muitos tapas na cara pela incrível verossimilhança das injustiças, acasos e fatalidades da vida. Exemplos: pessoas incompetentes em cargos elevados, injustiça e favoritismo no meio acadêmico. O que gera uma mistura de sentimentos durante a leitura: raiva, empatia, tristeza, revolta, vontade de querer interferir. Aí está a graça do livro, ele não passa batido por nossos sentidos. Um exemplo de como existe “heróis” no cotidiano sem que percebamos.
Ao lermos a biografia do criador sentimos certa semelhança com sua criatura e pensamos que talvez a história tenha mais cunho autobiográfico do que aparenta. Ambos provincianos, ambos letrados, ambos professores. É como se John William criasse um alter ego para representar aquilo que poderia ter sido caso decidisse não enfrentar a guerra – uma das poucas diferenças entre eles.
“Enquanto consertava sua mobília e a arrumava no escritório, era a si mesmo que ele estava lentamente dando forma, era em si mesmo que estava pondo alguma espécie de ordem, era a si mesmo que estava dando uma chance” Pág. 117
As semelhanças não param por aí e é possível encontrar até certa metalinguagem nas últimas décadas, à medida que um livro sobre um personagem esquecido se perde no tempo, não sendo lembrado desde sua publicação até o ano 2003, quando se renova o interesse pela obra de um autor já falecido. Dez anos depois a obra chega ao Brasil, o ciclo se repete e torço muito para se perpetue.
CITAÇÃO
“Em seu quadragésimo terceiro ano William Stoner aprendeu o que outros, muito mais jovens que ele, tinham aprendido antes dele: que a pessoa que se ama no começo não é a pessoa que enfim se ama, e que o amor não é um fim mas um processo através do qual uma pessoa experimenta conhecer outra.” Pág. 220
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