spoiler visualizarMillene.Grandemagne 21/06/2021
Trechos
"Ele chegara àquela idade em que, com crescente intensidade, ocorria-lhe sempre a mesma pergunta, de tão essencial simplicidade que não dispunha de meios para enfrentá-la. Via-se perguntando a si mesmo se sua vida valia a pena ser vivida. Se alguma vez valera. Era uma pergunta, suspeitava, que mais cedo ou mais tarde ocorria a todos os homens. Mas se perguntava se ocorreria aos outros com tamanha força impessoal como viera a ele. A pergunta trazia consigo certa tristeza, mas era uma tristeza difusa que - ele achava - pouco tinha a ver com ele ou com seu destino em particular. Nem mesmo tinha certeza se a pergunta fora provocada pelas mais imediatas e óbvias causas, ou seja, pelo que a sua própria vida se tornara. Vinha, segundo ele, do acúmulo dos anos, da densidade dos infortúnios e das circunstâncias e do que tinha compreendido deles. Sentia um prazer triste e irônico a pensar que o pouco conhecimento que conseguira adquirir o levava a essa conclusão, e que, no fim das contas, todas as coisas, até mesmo tudo que tinha aprendido e que permitia que ele compreendesse isso, eram fúteis e vazias, por fim reduzidas a um nada que não conseguiam alterar."
"Parecia capaz, à sua vontade, de remover sua consciência do corpo que a continha e de observar a si mesmo do lado de fora, como um estranho que repetia os gestos habituais de forma estranhamente familiar. Era uma dissociação que nunca sentira antes. Sabia que devia ficar preocupado com ela, mas estava entorpecido, e não conseguia se convencer de que isso importava. Estava com 42 anos, e nada via pela frente que quisesse desfrutar e pouco para trás que valesse lembrar."
"Em seu quadragésimo terceiro ano, William Stoner aprendeu o que os outros, muito mais jovens que ele, haviam aprendido antes dele: que a pessoa a quem se ama no começo não é a pessoa que enfim se ama, e que o amor não é um fim, mas um processo através do qual uma pessoa experimenta conhecer outra."
"Quando era muito jovem, Stoner pensara no amor como um estado absoluto da existência que um homem, se tivesse sorte, poderia ter o privilégio de vivenciar. No entanto, em sua maturidade, ele o rejeitara como o paraíso de uma religião falsa, que se devia contemplar com irônico ceticismo, desprezo suave e maduro, além de uma nostalgia embaraçada. Agora, em sua meia-idade, ele começava a entender que não era nem um estado de graça nem uma ilusão. Via-o como uma parte do devir humano, uma condição inventada e modificada momento a momento e dia após dia, pela vontade, pela inteligência e pelo coração."
"Não conseguia pensar em si mesmo como velho. Às vezes, ao se barbear de manhã, olhava sua imagem no espelho e não se reconhecia naquele rosto que retribuía surpreso seu olhar, naqueles olhos claros que despontavam de uma máscara grotesca. Era como se ele usasse, por alguma razão obscura, um absurdo disfarce, e tinha a impressão de que, se quisesse, poderia tirar aquelas sobrancelhas espessas e brancas, aquela juba de cabelos encanecidos, aquela carne que cedia em volta dos ossos proeminentes e as rugas profundas que o faziam parecer velho."
"Eu não. Eu tenho mais três anos e daí estarei fora. Eu penso às vezes no que perdi, os lugares que nunca visitei, e... Que diabo, Bill, a vida é muito curta. Pq vc não sai tbm? Pense em todo o tempo... 'Eu não saberia oq fazer, disse Stoner, nunca aprendi."