Philippe.Trindade 18/03/2024
O Cortiço no Pelourinho
Livro intenso. Livro de Jorge Amado com seu clássico, e isso é muito bom. Porém, intenso. O livro narra a vida de diversas pessoas que moram em um cortiço na Ladeira do Pelourinho, 68. Não há personagem principal e nem um acima do outro. São vários personagens. O principal é o cortiço. E ele te transporta pra lá. Alguns trechos que marcam muito:
"Com a cabeça caída sobre a máquina, deixava ver os cabelos brancos que começavam a dominar os pretos como um partido político fraco que aos poucos vai adquirindo adeptos."
"Quando acabou, disse: — Você lembra dessas histórias que você sabe, minha tia? — Que histórias? — Essas histórias de escravidão. — O que é que tem? — Você vai esquecer elas todas. — Quando? — No dia que nós for dono disso... — Dono de quê? — Disso tudo... Da Bahia. .. do Brasil... — Como é isso, meu filho? — Donos dos bondes... das casas... da comida. . — Quando é isso, meu filho? — Quando a gente não quiser ser mais escravo dos ricos, titia, e acabar com eles. — Quem é que vai fazer feitiço tão grande pros ricos ficar tudo pobre? — Os pobres mesmo, titia. — Ah! Já sei! Cabaça e esse gringo velho vivem falando nisso. Indagora tavam conversando aqui. Mas isso não vai haver, meu sobrinho. — Por quê? — Negro é escravo. Negro não briga com branco. Branco é senho…"
"— Você sabe qual é a coisa mais melhor do mundo? — Qual é, minha tia? — Adivinhe. — Mulher... — Não. — Cachaça. — Não. — Feijoada... — Não sabe o que é? É cavalo. Se não fosse cavalo, branco montava em negro."
"— A guerra só traz resultados para os que estão governando. Enriquecem... Para os ricos que fazem mais dinheiro vendendo mantimentos... — Bem dito! — Se todo o mundo pensasse assim acabavam tomando conta do Brasil. — E eles lá pensam no Brasil... Querem é dinheiro. Na guerra é o soldado quem morre... Morto pelos camaradas... Para servir aos interesses dos ricos. O soldado procurou uma réplica. Mas estava sozinho e ouvia os passos do rapaz subindo a escada. Meteu o sabre na bainha, continuou: — Mas era só os alemães que comiam rato..."
"Mulheres sem sobrenomes. Marias de nacionalidades as mais diversas. Casadas umas, com maridos que também não possuíam sobrenomes; solteiras outras, magras ou gordas, doentes ou sãs, com um único traço de ligação: a pobreza em que viviam. Algumas juntavam outro nome ao primeiro: Maria da Paz, Maria da Conceição, Maria da Encarnação, Maria dos Anjos, Maria do Espírito Santo. Outras levavam apelidos: Maria Cotó, Maria da Sandália, Maria Doceira, Maria Visgo de Jaca, Maria Machadão. A maior parte, porém, era somente Maria de Tal, ilhas de Antônio ou Manuel de Tal, casadas com Cosme ou Jesuíno de Tal. Mulheres que vendiam frutas, lavavam roupas, trabalhavam em fábricas, costuravam, vendiam o corpo. Mulheres sem sobrenome, mulheres do 68 na Ladeira do Pelourinho e de outros sobrados iguais, para quem os poetas nunca izeram um soneto, elas simbolizam bem a humanidade proletária que se move nas ladeiras e nas ruas escuras. Tiveram uma frase anônima: — Gente sem nome... Gente sem pai... Filhas da puta..."
"— Quem é o locatário do sótão? O árabe olhou com ar espantado em redor de si. O magro perguntou: — Perdeu alguma coisa? — Não. Tou procurando o cachorro com quem seu amigo falou. Nem sabe pedir por favor."