Sintaxe 19/12/2023
Em defesa de Simão
Para quem não sabe, este perfil não passa de um pequeno projeto onde eu comento, avalio ou apenas expresso pensamentos e emoções surgidas durante a leitura de obras mais desconhecidas, compradas ou emprestadas - pela minha queridíssima biblioteca universitária - com o fim específico de serem postadas aqui, neste aplicativo. Meu único desejo é expandir meus horizontes literários, pois, mui embebido em clássicos, raramente me ponho a ler os livros esquecidos pelo tempo... Nessa toada, mas nem tanto, decidi compartilhar o que me veio à cabeça e ao coração ao ler esta peça, ela mesma mais ou menos desconhecida enquanto o autor é praticamente estrela de cinema, sobretudo pelo incrível O Pagador de Promessas. Não faço "reviews", ao menos, não puramente. Escrevo, apenas. E decidi escrever, neste caso, em defesa de um dos personagens rechaçados no interior e no exterior da narrativa do drama.
Simão, pai de Branca, é condenado pelo escritor por sua covardia, egoísmo e fraqueza. Frente à tortura de Augusto, o velho cristão-novo nada faz e prefere salvar sua vida à defender qualquer causa, grande ou pequena, em direto contraste com o noivo idealista. Ora, é claro que este personagem é rechaçado: mesquinho e velho, defende a própria vida em detrimento dos outros! Entretanto... Por que não? Qual o problema de uma defesa à vida? Dias Gomes pretende criticar a falta de conteúdo valorativo no âmago de Simão? Mas há sim um conteúdo deste tipo! Simão é verdadeiro adorador da vida! Sua ideologia é a vida ela mesma! É vero que, tendo sofrido nas mãos da perseguição inquisitorial, tal qual seu pai, ele acaba se afastando dos modos tradicionalmente judaicos da família. Só isso já seria o bastante para no mínimo compreender suas razões. Vivendo a vida inteira com medo, quem não capitularia? Ele viu a morte de perto, tem direito de sobre isso falar. Contudo, mais que isto, parece-me que o pai de Branca valoriza a vida mais do que as causas terrestres ou celestes. Feito os pais de Admeto, ele quer viver mesmo que isto custe as ideias dos homens. Genuíno heleno, nada há de mais precioso que a vida! Por que somos tão rápidos em censurar tais sujeitos? Parece-me que, comandados pela verdadeira ideologia do capital (no sentido, agora, marxiano da palavra), acreditamos com muita facilidade no ideal do sacrifício "elevado" em nome da pátria, do povo ou qualquer invencionice aceita entrementes. Não é por falta de resolução que Simão cede, mas por defender algo ainda mais profundo: a vida. Com todas suas dores e contradições, é a matéria do corpo que deve ser salva, não os arabescos no ar por nome de "ideais". É realmente uma pena que Dias Gomes acredite haver mais virtude num padre autoritário, crente cego da "verdade" católica, do que em Simão, realista ponderado capaz de enxergar as bizarrices da imaginação humana! E o próprio dramaturgo parece conter em si opiniões contraditórias ao desprezar a deformação do espírito humano quando dominado por suas causas inventadas, e, ao mesmo tempo, transformar Augusto e Branca em mártires altivos capazes de se sacrificarem por suas causas. Não há aí uma falta de auto-crítica? Não sei, não sou analista! Só sei que adorei a peça e adorei mais ainda o injustiçado Simão!