Fabio 25/03/2024
"O primeiro amor a gente nunca esquece"
Considerada a obra mais luminosa do gênio da literatura mundial, Fiódor Dostoievski, o "Um Pequeno Herói", é uma história sensível e arrebatadora, que foi escrita em 1949, durante o cárcere que antecedeu a clausura na Sibéria, e nos descreve o despertar amoroso e as descobertas lascívias de um jovem menino com pouco mais de 11 anos.
"Um Pequeno Herói", narra história de um garoto que passa alguns dias na casa de um parente aristocrata, e como cenário, uma casa de campo luxuosa aos arredores de Moscou, durante a temporada de verão, onde se realiza uma festa interminável, repleta de eventos, jantares, jogos, teatros e tudo mais que integra a rotina e o entretenimento dos abastados da sociedade russa.
Nesse ambiente voluptuoso, embebido em melífluos de extravagâncias e exuberâncias, o jovem garoto, vive sua primeira experiência amorosa e o despertar de sua sexualidade, sobretudo a descoberta de sua individualidade e da própria dignidade.
O jovem, extremamente tímido, atônito com a atmosfera glamorosa, inicialmente, sente-se atraído por uma jovem dama de cabelos dourados, alegre, espirituosa e provocadora, mas é na belíssima senhora morena, de semblante melancólico, que se enamora. Passa então a observa-la intensamente por todos os lugares, ansiando por cada movimento, palavra ou gesto, que nutre profundamente seus devaneios. Entretanto, sua paixão oculta, é revelada pela loura, que, percebe a fascinação juvenil, e num disparate egocêntrico, vulgariza os sentimentos do jovem a uma plateia ansiosa por inconfidências e escândalos. Não obstante no dia posterior, o protagonista, em ato de bravura, cedendo a provocações da jovem áurea, resisti a um animal violento, e é recebido como herói pelos presentes, e passa a ser notado como um jovem destemido, transformado sua estadia drasticamente. E ao não sucumbir aos percalços e as confusões, toma consciência de si como homem e ingressa ao mundo dos adultos.
Narrado em primeira pessoa, sob forma de memórias, em "Um Pequeno Herói", não há apresentações, os personagens não possuem nomes, e o leitor é inserido em meio aos eventos narrados, sem previa explicações, lançados ao acaso em um turbilhão de sentimentos, no interior do fluxo de pensamentos do narrador. Entretanto, a maior dificuldade da obra, está no fato de não haver maiores informações acerca o protagonista, exceto as escassas e esporádicas lembranças do passado, exaurindo, portanto, os vínculos de familiaridade e identidade com o protagonista, motivo pelo qual, nos leva a crer, que, o intuito precípuo de Dostoievski, era salientar os processos psicológicos e comportamentais do jovem menino, concedendo somente o necessário para o desenvolvimento do enredo. No íntimo desse propósito, Dostoievski, nos elucida os vários mecanismos robustos que compõem o manuscrito, resultando em cenas absolutamente espetaculares, longos períodos de devaneios feéricos, e uma infinidade de analogias literárias dentro da própria composição. A genialidade de Dostoievski, está evidenciada na ilação, não só nos vastos recursos técnicos, mas, na capacidade de imprimir veracidade, realidade e singularidade mesmo em um texto tão lacônico.
Dostoievski, nos revela em três encontros enternecedores, a tragicidade dos embates psicológicos, e as consequências da luta interior de um jovem, mediante as novas descobertas, implícitas no instinto da vida e nas significações da sexualidade. E através dessa vertente, quase um século depois, Dostoievski, inspirou as linhas conceituais do "Eros" de Sigmund Freud.
Habilidosamente, Dostoievski, nos conduz pelos labirintos sinuosos da alma primaveril, e o penetrar nas camadas mais profundas, até o amago do ser, revela o cerne das questões existenciais e de onde elas são insculpidas até o desencadear do estado de latência, posteriormente, o pulsar da vida e a obstinada busca pelos prazeres.
Trata-se de um texto carnavalizado, completamente tangível mesmo àqueles que não estão acostumados com as nuances existencialistas. De escrita sensível, traçado em tons oníricos, "Um Pequeno Herói", sincretiza várias correntes de pensamentos do autor, mas que diverge dos habituais escritos dostoieviskianos, haja vista, ser composto em matizes mais suaves e cristalinas, contraponto os usuais escritos tempestuosos, rascantes, e que reverberam bramidos e fúria.
Em suma, "Um Pequeno Herói", é uma novela cativante, de escrita primorosa, que sequestra o leitor pelas sensações nostálgicas, sobretudo o despertar da paixão e busca pelo amor idealizado na aurora da juventude.
O ser busca avidamente o amor, mesmo que na de reminiscências do passado, visto que, só é feliz aquele que ama, e aquele que não, jamais saberá o valor da verdadeira felicidade, pois a bem-aventurança provém do amor e não sobrevive sem ele, e só aquele que vive o inescrutável sentimento, pode depreender o sentido da verdadeira felicidade.