legarcia 30/01/2024
O que desejo é manter minha bagagem
Adélia Prado é uma autora que me toca em lugares muito particulares e íntimos. Gosto de escutá-la porque ela possui essa doçura e sabedoria no falar, a beleza da aparente simplicidade que tanto admiro está sempre presente nas falas e nos escritos da autora. Então, podem imaginar que começar a elitura de ?bagagem? foi um tanto quanto especial para mim e fico satisfeita em dizer que os poemas aqui só comprovaram e potencializaram o quão excelente poetiza Adélia Prado é.
?Bagagem? inicia-se com um poema lindo de profissão de fé e já introduz muito do que será retratado na produção literária da autora: encontrar no cotidiano da província as respostas para a existência. Podemos perceber que a plenitude para o eu poético está nas pequenas coisas. As palavras comuns da vida interiorana ganham densidade semântica, contribuindo para a beleza poética da aparente simplicidade. Também somos apresentados aqui a uma autora que vai na contramão da pequenez da maioria dos personagens brasileiros e mostra-se disposta a ser digna e honrosa, podendo sentir dor, mas sem deixá-las serem transformadas em amargura.
Adélia Prado exprime ideias as quais, talvez por compartilhar com ela uma infância e adolescência no interior de Minas Gerais, a mim são muito caras. Ela trabalha tratando a cidade pequena como o modelo ideal de plenitude, como se a vida tivesse sentido quando saímos na rua e conversamos com as pessoas conhecidas, quando plantamos e observamos os pássaros que todos os dias estão no quintal, atraídos pelas frutas. É lindo perceber como a autora trabalha com a aharmonização dos contrastes, retratando tudo como sagrado. A vida, então, é elevada a um nível maior, preenchendo-se de sentido.
Porém há um conflito: parece que a cosmovisão defendida pelo eu poético está sofrendo um ataque de elementos externos representados pela metrópole. Todo esse Jardim do Éden pode estar na iminência de se transformar e ser contaminado pelas grandes cidades. E, então, percebemos a fragmentação do homem pós-moderno, que vive inquieto e envolvido em muitos conflitos. A metrópole é o lugar onde pessoas vivem isoladas, onde o bem sempre é pervertido. O mundo parece estar querendo exigir do eu poético algo (viver seguindo a lógica capitalista e uma vida de aparência) e diz que o mundo dele não serve.
Dessa forma, a personagem precisa simbolicamente, ao final do livro, deixar suas raízes para seguir a modernidade. E é dolorido pensar que esse mundo de Adélia Prado sofre riscos fortes de ser contaminado pelo individualismo da modernidade, propiciando vidas que matam sonhos e esvaziam a alma.
Por fim, a obra é de excelente qualidade. Ler ?bagagem? foi como me conectar com valores e ideias profundas minhas. Elogiada por Carlos Drummond de Andrade, a primeira publicação de Adélia Prado é potente e muito bela, construída com essa humildade e esse ânimo mineiros. muita gratidão pela vida dessa grande mulher!