Yasmim.Medeiros 20/11/2017
Uma reflexão sobre "os jovens e a leitura": do contexto francês ao brasileiro
O livro, escrito por Michèle Petit, divide-se em quatro encontros/conferências —"As duas vertentes da leitura", "O que está em jogo na leitura hoje em dia", "O medo do livro" e "O papel do mediador". Cada encontro trata o tema se utilizando de entrevistas, que foram feitas com leitores da zona rural e jovens de bairros marginalizados da França —sendo muitos destes jovens imigrantes, que vieram de países africanos— e de comentários da autora sobre o que vem sendo dito.
Um ponto bastante interessante que é levantado no segundo encontro, e o qual chamo atenção por pensar no contexto brasileiro, é o de surgir a indagação sobre se/como os jovens leem hoje em dia. Esta indagação me parece essencial se tratando de Brasil quando se pensa que é bastante comum ouvirmos críticas daqueles de gerações passadas em torno da leitura que os jovens de hoje em dia, teoricamente, não fazem. E, quanto a isso, talvez seja útil relacionar este ponto com o primeiro encontro do livro, que trata as duas vertentes da leitura: a leitura prazerosa (que dá uma liberdade ao leitor, que exerce sua subjetividade ao que é lido e se coloca ali como um leitor que interage com o texto) e a leitura obrigatória (muitas vezes vista relacionada à textos escolares e religiosos, que, como dito em entrevistas, remetem uma certa tradição oral e grupal que não levantava espaços de discussões sobre o que era dito, ou seja, há um poder do texto, ele não tem uma relação simbiótica com o leitor). Pois bem, será que os jovens de hoje em dia não leem? Ou será que o que é lido por eles é desconsiderado?
O diálogo que é criado entre as entrevistas (que parecem indiretamente conversar entre si) e o texto da autora estabelece uma reflexão, ainda no segundo encontro do livro, acerca de como a leitura é essencial para a criação de identidades, pois é através dela, que jovens estrangeiros da periferia das cidades francesas, afirmam terem conseguido descobrir a si. Foi através da leitura que eles apropriaram-se de si, conheceram o mundo —neste sentido, novamente, penso na realidade brasileira tão repleta de desigualdades sociais. Através da leitura, e não só literatura, é possível conhecer novas realidades, criar sua própria identidade, ter representatividade e, de algum modo, romper um pouco com a discrepância existente entre os mais privilegiados socialmente/economicamente, detentores de um Capital Cultural (Bourdieu), e os menos privilegiados, que, por não pertencerem a famílias mais escolarizadas e/ou a classes média e alta, acabam não tendo acesso às mesmas realidades culturais/sociais, a não frequentarem os mesmos espaços. Assim, através da leitura, é criado um espírito crítico nesses jovens que, como descrito por Petit, "se apropriam da língua": aqui não vista como mero instrumento utilizado em diálogos, mas como algo que se constrói e que é um reflexo do ser humano, ou seja, reflete seu modo de agir e de pensar. Além de, também, quebrar barreiras sociais a partir do momento que se passa a ter uso mais desenvolto dela.
No terceiro encontro, é trazido o questionamento sobre o que o objeto livro representa, ou seja, é mostrado como a figura dele acaba despertando medo nos jovens leitores. Esses medos foram descritos nas entrevistas com vínculos ligados à Igreja, aos pais e ao país de origem. É interessante pensar nesta tríade como elementos que se completam. Os jovens que descreveram os problemas que eles enfrentam com a leitura em casa, por exemplo, dizem que o fato de lerem poderia ser visto como uma tentativa de ser "melhor que os pais", que não tiveram acesso à escolaridade do mesmo modo —ou seja, pode ser visto como uma pretensão à superioridade e quebra da autoridade dos pais e da própria Igreja. Ainda pode ser vista como uma perda de identidade e do vínculo com o país de origem e sua cultura por, nos casos apresentados pela autora, os jovens passarem a ler em outro idioma (o francês e não mais no de seu país de origem) e também a cultura de um outro. Além de estar criando um indivíduo que só pensa no seu individual. Neste último ponto, é importantíssimo ver a dicotomia estabelecida por Michèle Petit, pois a autora chama a atenção pra duas palavras: individualização e individualismo. Os jovens passam a pensar o coletivo através da sua individualização (daquela leitura literária, por exemplo, que apresenta contextos diferentes, ou iguais, de sociedade, culturas, conhecimentos, arte, crenças, leis). A individualização é dada com o valor subjetivo que a literatura oferece ao leitor, com o poder que ele tem de se ver representado nas obras lidas e trazer algum ensinamento, insight, que tenha tido. Do mesmo modo, a leitura (de textos literários, filosóficos, sociológicos, científicos etc) pode oferecer qualquer outro tipo de saber, como, por exemplo, aprender sua história e sua cultura sob outros olhares, aprender um ofício (como é o caso de Christian que aprendeu horticultura pelos livros), tomar as rédeas de seu próprio destino, não reproduzir discursos prontos, ou seja, poder exercer sua cidadania ativamente.
Por fim, o último ponto, que me parece ser um dos mais importantes se tratando de educação, é o do quarto encontro. Neste, a escritora francesa levanta a questão da importância de um sujeito como mediador/iniciador entre a leitura/o livro/a literatura e leitor. Penso, como futura professora, em como os professores (sobretudo os de português/literatura) tem um papel essencial na formação de jovens leitores e em como este livro contribuiu para o meu pensar sobre a prática desse ensino. É necessário que se estabeleça diálogos, leituras orientadas, prazerosas e que se dê ao aluno o poder de escolha nos livros utilizados. A relação de troca entre a figura do mediador, aqui especificamente pensando no profissional docente brasileiro e não como em outros profissionais (como é posto no livro), e a do jovem leitor com leituras que agradem ambas as partes garantindo um estudo crítico/aprofundado em questões sociais e literárias parece ser uma boa escolha/saída.