Cris 04/12/2013O Mercador de VenezaUm livro que através da comédia, (ao contrário do filme onde a história ganha um ar, merecidamente, mais dramático), expõe uma visão extremamente anti-semita, mas que é apenas um reflexo do cenário da época em que foi publicado, por volta de 1598. Em 1290, os judeus foram perseguidos e expulsos da Inglaterra e seu retorno só foi aceito a partir de 1655. Durante esse período, os judeus de Veneza , e outros lugares, sofreram graves imposições: deveriam usar um chapéu (kipá) vermelho para que pudessem ser identificados por todos, estiveram obrigados a viver excluídos da sociedade em guetos, visto que lhes era negado o direito à propriedade, entre outras discriminações. Para sobreviver faziam uso do que dispunham, no caso, o dinheiro, e seu empréstimo mediante a cobrança de juros ou usura. A prática da agiotagem que, por sua vez, era condenada pelo Igreja Católica se torna o pano de fundo gerador do conflito principal na peça de Shakespeare.
O pai de Pórcia, uma rica herdeira de Belmonte, estipula em seu testamento que os pretendentes de sua filha devem passar por uma prova antes de receber a sua mão em casamento, prova essa que consiste na escolha correta dentre três cofres e seus enigmas.
Bassânio, um nobre de Veneza, ambicioso porém falido, pretende ir a Belmonte para cortejar Pórcia, porém não possui recursos para fazê-lo, e para isso, recorre a Antônio, um mercador amigo seu, em busca do dinheiro necessário para custear as despesas da viagem até Belmonte. Antônio, apesar de estar disposto a emprestar a quantia, não dispõe de liquidez suficiente para isso, visto que reinvestiu seu dinheiro na compra de novas mercadorias e seus navios ainda não retornaram trazendo-as à Veneza. Porém, promete utilizar de seu bom nome e crédito, sendo fiador para que Bassânio consiga um empréstimo do valor de que precisa, três mil ducados.
Bassânio então recorre à um agiota judeu, Shylock, que concorda em emprestar-lhe o valor, mediante a promessa de Antônio ser o fiador. Porém Shylock e Antônio já se desentenderam no passado, visto que Antonio, como um “bom cristão”, costuma emprestar dinheiro sem a cobrança de juros, o que atrapalha os negócios do judeu, e além de discriminar Shylock pela avareza de seus negócios, tendo humilhado-o publicamente.
Shylock então se utiliza do contrato de empréstimo à Bassânio para engendrar sua vingança contra Antônio. Fica determinado que no caso de Antônio não conseguir pagar a quantia até a data estipulada, o pagamento à Shylock será feito mediante uma libra da carne de Antônio, que aceita a exigência de bom grado, pois se vê surpreso pelo judeu não cobrar juros como de hábito.
Bassânio recebe a quantia e vai para Belmonte ao encontro de Pórcia. Mas em Veneza, logo chega a notícia de que todos navios que traziam as mercadorias de Antonio naufraram quando retornavam à Veneza e agora, este já não pode mais pagar o empréstimo em dinheiro:
“Falharam as empresas? Como! Da Índia,da Inglaterra, do México, de Trípoli, Lisboa e Berberia, nenhum barco fugiu do choque horrível dos penedos,inimigos fidagais dos mercadores.”
Shylock, que desejava que isso acontecesse, passa a lhe cobrar avidamente a dívida, como maneira de se vingar de Antônio e de todos os cristãos que lhe discriminaram.
Bassânio após seu casamento, retorna à Veneza para intervir por seu amigo Antonio, com a oferta de Pórcia, de pagar o dobro pelo empréstimo concedido, 6 mil ducados. Mas Shylock já levou o conflito ao Doge de Veneza (magistrado da República Veneziana) e exige o pagamento com a carne de Antonio, e que essa seja retirada o mais próximo do coração.
O Doge se mostra à favor de Antonio, claro, sendo este um cristão, mas não pode anular o contrato, o que invalidaria a confiança da sociedade no sistema jurídico de Veneza, mediante o princípio Pacta Sunt Servanda, que transforma um contrato em lei entre as partes que o acordaram, e sua obrigatoriedade de cumprimento e autonomia privada. Diante do impasse, o Doge manda trazer um brilhante jurista para esclarecer o caso conforme a lei. Este jurista, Baltasar, é Pórcia disfarçada, que ao analisar o caso, declara que ninguém pode interferir num contrato particular e que muitos abusos decorreriam de abrir este precedente, ganhando assim, a simpatia de Shylock por confirmar a validez do contrato e seu direito ao pagamento.
Mas Pórcia se vale de uma brecha no contrato, visto que não estava na letra que o judeu pudesse tirar o sangue de Antonio, caso isso acontecesse todas os bens do judeu passariam para o Estado, devido o descumprimento do contrato. E dado a impossibilidade de tirar a carne como pagamento sem retirar uma gota de sangue, Shylock volta atrás e agora requer os 6 mil ducados oferecidos, porém o juiz dita que o judeu ao recusá-los anteriormente, tem direito agora apenas à multa estipulada.
Entretanto, a lei de Veneza estipulava que se um estrangeiro, nesse caso um judeu, atentasse contra vida de algum membro da sociedade, essa pessoa teria direito a tomar metade de suas posses e a outra metade ficaria com o Estado, e o Doge determinaria se o estrangeiro viveria ou não.
Shylock tem sua vida poupada pelo Doge e Antonio intercede por ele pedindo que a metade do Estado permaneça com o judeu em troca dele se converter ao Cristianismo e deixar seus bens em testamento para sua filha (convertida cristã pelo casamento) e seu marido. No entanto Antonio reivindica a parte que a lei lhe garante e promete restituí-la ao marido de Jessica, filha de Shylock, no evento de sua morte. Sem escolha, Shylock aceita o acordo.