umarosaleitora 06/07/2021
O perigo de vicejar novas ideias - o medalhão é a anestesia
Ainda não consigo traduzir o que sinto lendo esse conto, é genial.
Numa sociedade do espetáculo, em que viver de aparências - uma narrativa incompleta, mas com capa bonita - é o que mais importa, temos o medalhão como o ofício mais almejado. Trata-se de um sistema que faz de tudo para manter os ideias como estão. Ter ideias é a arma mais poderosa; ameaça a estrutura deles. O que fazer? Apenas reproduzir. Garantir que todos permaneçam no estado de inópia mental. Machado critica a sociedade do século XIX ao citar todos os benefícios adquiridos em ser um medalhão, como se destaca na publicidade e na política, que o discurso metafísico é apaixonante para todos e fazem-os esquecer do problema. Também na descrição da "terra prometida" e as metáforas com o ideal de meritocracia.
Por fim, uma das personagens ressalta o que estamos vendo: "E parece-lhe que todo esse ofício é apenas um sobressalente para os déficit da vida?"
Anterior a essa fala, tem uma citação que precisa ser colocada aqui:
"(...) porque o adjetivo é a porção idealista e metafísica do idioma. O substantivo é a realidade nua e crua, é o naturalismo do vocabulário" gente!!!!!!!!!!!!!!!!!
De fato, Teoria do Medalhão e qualquer outra obra de Machado não vai ter efeito nenhum caso você inicie a leitura já pensando em acabar.
Um professor me disse uma vez - e sigo confirmando em cada novo conto - que nós não sabemos ler Machado. O seu pensamento e alma estão lá, colocados com tamanha sutiliza que conseguimos visualizar às críticas feitas à sua época nos dias de hoje. Atemporal em todas as suas formas. Machado via o que mais ninguém estava disposto a ver.
Nenhum elemento (termos em latim, datas, pensadores, instituições) é posto de forma aleatória. Outra coisa que tem me ajudado a apreciar Machado é ver sua relação com a ironia. É lindo demais, sério. E o danado faz questão de reforçar esse carinho aqui numa passagem da penúltima página, deixo aqui:
"(...) Somente não deves empregar a ironia, esse movimento ao canto da boca, cheio de mistérios, inventado por algum grego da decadência, contraído por Luciano, transmitido a Swift e Voltaire, feição própria dos céticos e desabusados."
- o pai alertando o filho sobre os perigos da ironia, de abrir espaço para dúvidas e ideias.
rsrs
É um conto para ler, reler, ler mais uma vez e continuar relendo.