HigorM 20/08/2024
"LENDO BRASIL": LIVRO 01
Como forma de suprimir uma falta de caráter pessoal, já que não leio há anos um livro nacional, eu me propus a iniciar um projeto de leitura que pudesse explorar a literatura brasileira, embora em ordem cronológica, para atender meu metodismo e vício tão gritantes e corriqueiros, a medida que entendo de maneira mais objetiva, através da linha do tempo a ser seguida, de onde viemos e até onde chegamos - e se e quando houve progressos e regressos.
Dito isso, nada mais justo que começar lendo o começo de tudo, não? Embora não seja uma escrita nacional, de um brasileiro nato, trata-se do primeiro documento escrito sobre o Brasil e em terras - e águas - brasileiras também.
Endereçada a Dom Manuel I, rei de Portugal à época, conhecido como O Venturoso, Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, o escrivão inicia seu relato pedindo desculpas pelo fato de sua carta ser menor que as demais, que hoje sabemos da existência de mais duas, que, curiosamente, não tem tanto conhecimento ou menção como a de Caminha, que é conhecida como a Certidão de Nascimento do Brasil.
Saindo de Belém, Portugal, em 09 de março, até que começam a se deparar com aves distintas e, em 22 de abril de 1500, "houvemos vista de terra, isto é, primeiramente dum grande monte mui alto e redondo [...] a qual o capitão pôs nome o Monte Pascoal e à terra a Terra de Vera Cruz".
Apesar de avistarem o monte, a armada de Pedro Álvares Cabral lançou âncora e desceram de seus navios apenas no dia seguinte, onde "houvemos vista de homens que andavam pela praia, obra de VII ou VIII". A porção de terra estava muito bem habitada, e não havia, necessariamente uma descoberta, o que não vem ao caso para debate.
Os ditos homens eram "pardos, andavam nus, sem nenhuma coisa que lhes cobrisse suas vergonhas". Além disso, estavam equipados de arcos e setas, mas não esboçaram hostilidade, apenas curiosidade com o fato inédito. Curiosidade, aliás, não só com os barcos, mas com o que tinham e carregavam.
Um dos indígenas "pôs o olho no colar do capitão e começou a acenar para a terra e depois para o colar do capitão". Tais gesticulações deram a entender para a frota que ali havia ouro também, o que muito animou a todos, tanto que o capitão já solicitou uma expedição superficial a fim de tentar fazer com que o homem o levasse para o lugar onde havia ouro.
Além do primeiro contato com os indígenas, há a primeira prática de escambo, uma troca de presentes entre indígenas e portugueses, assim como a primeira missa na nova terra - para os viajantes. Tudo é muito amistoso, muito bonito e respeitoso, mas, levando em consideração os anos posteriores, de extração, escravidão e exploração do Brasil, a pergunta que fica é a de que até onde o relato é sincero e real.
Se por um lado, não há relatos de agitação ou hostilidade dos indígenas, o que certamente seria relatado, caso viesse a acontecer, será que os mesmos seriam sinceros em relatar uma possível atitude forçada de fazer com que o ouro indicado fosse apresentado a eles?
Já na carta, por exemplo, que cerca de 45 indígenas, na expedição, tenham, mesmo que sem entender, se convertido ao catolicismo e passado a usar crucifixos, a repetir gestos na liturgia, e até mesmo a trajar roupas.
Em contrapartida, a expedição tem seu viés de frustação, quando Caminha confessa que "até agora não pudemos saber que haja ouro ou prata. Porém a terra em si é de muito bons ares. Águas são muitas, infindas".
Mais que um mero registro histórico, “A carta de Pero Vaz de Caminha” é um convite à reflexão sobre um novo começo para uns, e uma novo período para nós, os outros, os que já estavam. O que aconteceu depois disso, infelizmente, nem sempre foi muito bonito.
Este livro faz parte pro projeto "Lendo Brasil".